Quanto antes melhor – Outubro rosa

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Outubro rosa

Movimento Outubro Rosa estimula a adoção de hábitos saudáveis desde cedo para evitar doenças como o câncer de mama

No décimo mês do ano, muita gente veste rosa para lembrar sobre a importância do diagnóstico precoce de câncer de mama. A campanha de 2020 da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), no entanto, faz um convite para algo mais prático e eficaz: adotar um estilo de vida saudável a fim de prevenir diversas doenças, entre elas o câncer de mama, o mais frequente entre as mulheres, atrás apenas do câncer de pele não melanoma.

Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), em 2018 ocorreram 13,84 óbitos ocasionados pelo câncer de mama a cada 100 mil mulheres. Para 2020, estima-se o diagnóstico de 66.280 novos casos da doença só no Brasil. 

Diversos fatores colaboram para o desenvolvimento da doença. Mulheres mais velhas, sobretudo a partir dos 50 anos de idade, têm maior risco de desenvolver câncer de mama. O acúmulo de exposições ao longo da vida e as próprias alterações biológicas com o envelhecimento aumentam, de modo geral, esse risco. Mas muitos desses fatores podem ser alterados com a adoção de hábitos saudáveis no dia a dia.

Por isso, o tema “Quanto antes melhor” sugerido pela SBM acerta em cheio ao destacar a necessidade de não deixarmos a saúde para depois. “Apesar de parecer que a campanha está se referindo aos exames de imagem e ao diagnóstico precoce, na verdade a intenção é incentivar hábitos saudáveis de vida. Quanto antes começarmos a realizar exercícios físicos, adotarmos uma alimentação adequada, pararmos de fumar ou de beber, melhor”, esclareceu o médico Felipe Zerwes, presidente da Comissão Nacional Especializada (CNE) de Mastologia da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

Ele pontuou que a adoção de um estilo de vida saudável é benéfica para todas as mulheres, ou melhor, para todas as pessoas, pois diminui a incidência de câncer de mama e reduz o risco de outros tumores, além de diabetes, obesidade, hipertensão, depressão etc.

A preocupação por cuidar da saúde hoje com vista à prevenção de doenças futuras se tornou ainda mais importante com a pandemia do novo coronavírus, que interrompeu os atendimentos médicos, prejudicando o rastreamento e o tratamento dos casos de câncer, entre outras enfermidades.

A secretária da SBM, Rosemar Macedo Sousa Rahal, que integra a CNE de Mastologia da Febrasgo, ressaltou o viés positivo do movimento Outubro Rosa deste ano, que joga luz na saúde pós-diagnóstico, reforçando que há muita vida após o câncer de mama. “A palavra câncer assusta e faz muitas pessoas pensarem em morte, esquecendo- -se de que o câncer de mama tem uma chance de curabilidade de até 90% quando diagnosticado na fase inicial. Por isso, o movimento Outubro Rosa quer chamar a atenção da paciente de que existe vida após o câncer e que ela não deve parar de buscar todas essas estratégias para viver bem”, declarou.

O Dr. Felipe, que também é professor adjunto da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e fundador do Portal Câncer de Mama Brasil, acrescentou que o diagnóstico precoce do câncer de mama, além de aumentar a possibilidade de cura, diminui a agressividade do tratamento, seja ele cirúrgico ou quimioterápico. “É uma meta que devemos obter sempre que falamos sobre a doença, porém, em um país continental como o nosso, onde cerca de 70% das pacientes utilizam o sistema público de saúde, nosso maior desafio no momento é o acesso delas não somente aos exames, que possibilitariam um diagnóstico precoce, mas ao tratamento, após ter descoberto a alteração”, declarou.

Infelizmente, a pandemia impactou no rastreamento e na detecção da doença. Uma pesquisa realizada pela SBM nas principais capitais do país mostrou que, de cada 10 entrevistadas, 6 deixaram de ir ao ginecologista ou ao mastologista durante a pandemia. Nos próximos meses, deve ocorrer um aumento de casos avançados de câncer de mama, bem como de mortalidade por essa causa. “Com o temor de uma doença nova e desconhecida, deixamos de diagnosticar e tratar uma outra ‘antiga’ e potencialmente letal”, lamentou Zerwes.

MARATONA COM OBSTÁCULOS

“Nosso papel como profissionais da área da saúde é orientar a população quanto aos fatores de risco, mas é fundamental o mote da campanha Outubro Rosa deste ano, ‘Quanto antes melhor’, pois a mudança do estilo de vida pode impactar na menor incidência da doença. Porém, mesmo com a adoção de hábitos saudáveis, as pacientes podem vir a desenvolver o câncer, e é aí que está o papel fundamental do rastreamento”, observou Fábio Bagnoli, professor-instrutor doutor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, membro da CNE de Mastologia da Febrasgo e tesoureiro adjunto da SBM – Regional São Paulo.

Mas, no caminho da prevenção, a mulher se depara com uma série de obstáculos que geralmente só são encontrados por quem está envolvido no processo. A secretária-geral da SBM citou alguns deles, como o medo de receber o diagnóstico, a necessidade de ter um pedido em mãos para fazer o exame de rastreamento, as dificuldades para ir até o local que dispõe de mamógrafo, que, muitas vezes, não fica na mesma cidade onde a paciente mora, a demora entre o resultado do exame e o retorno ao médico, entre outros. “Quando o diagnóstico é confirmado, outra maratona de dificuldades pode surgir e comprometer a eficácia do tratamento”, alertou a Dra. Rosemar.

O mastologista do Hospital Geral de Fortaleza, Dr. Francisco Pimentel Cavalcante, salientou que o slogan atual do movimento Outubro Rosa deixa claro que a prevenção depende da atitude da mulher em mudar os hábitos de vida para melhor, mas não tira dos gestores a responsabilidade de garantir o acesso aos exames.

“Ano após ano, observamos na prática poucas mudanças após as campanhas e ainda há muita dificuldade de acesso das mulheres, principalmente daquelas que dependem do Sistema Único de Saúde, em realizar seus exames e, quando diagnosticado algum tumor, de iniciar o tratamento em tempo hábil, além de conseguir fazer reconstruções mamárias se a mastectomia for indicada”, argumentou o diretor de Relações Internacionais da SBM.

Embora haja leis que garantam os direitos das mulheres nesse quesito, como a Lei da Reconstrução Mamária (nº 12.802/2013), que preconiza que a paciente tem o direito de realizar a cirurgia de reconstrução mamária na rede pública de saúde, imediatamente após a retirada do tumor ou quando houver condições clínicas para o procedimento, e a Lei da Mamografia (nº 11.664/2008), que determina o acesso ao exame da rastreamento do câncer de mama para todas as mulheres a partir dos 40 anos de idade, na prática o cenário é muito diferente.

“No Brasil, há mais mulheres desassistidas do que desavisadas. Acredito que grande parte da população já sabe que fazer o exame de mamografia para detectar o câncer de mama precocemente é importante, mas ainda precisamos investir no acesso a esse exame”, analisou.

Segundo dados de um estudo feito pela SBM em parceria com a Rede Brasileira de Pesquisa em Mastologia, o percentual de cobertura mamográfica em 2017 nas mulheres na faixa etária entre 50 e 69 anos atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) foi o menor dos últimos anos. Para se ter ideia, eram esperadas 11,5 milhões de mamografias em 2017 e foram realizadas apenas 2,7 milhões, uma cobertura de 24,1%, bem abaixo dos 70% recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

O Dr. Francisco observou que os mamógrafos estão mal distribuídos no país. “Enquanto muitos centros têm excesso de mamógrafos, em outros há pouco ou faltam.” É o que acontece, por exemplo, no estado do Pará, que possui uma extensão territorial muito grande e onde só se chega de barco a algumas cidades. “O diagnóstico precoce aqui é um grande desafio, que começa com a dificuldade que as mulheres encontram de chegar aos centros de referência por causa da distância. Estamos tentando implementar novos serviços para diminuir o tempo entre o achado clínico (palpação do nódulo), a mamografia alterada e o diagnóstico propriamente dito”, declarou Cynthia Mara Brito Lins Pereira, vice-presidente da CNE de Mastologia e presidente da SBM – regional Pará.

Doutora em Oncologia pelo Inca e professora adjunta da Universidade Federal do Pará e do Centro Universitário do Pará, a Dra. Cynthia ressaltou o papel importantíssimo do ginecologista na prevenção e no tratamento dos tipos de câncer ginecológico, tendo em vista sua presença próxima à mulher. “Na maioria das vezes, as pacientes chegam ao mastologista encaminhadas pelo ginecologista, que tem esse olhar atencioso nas patologias mamárias, tanto nas benignas quanto nas malignas. Logo, o trabalho multidisciplinar é extremamente importante quando falamos em saúde da mulher”, disse a médica.

Pimentel completou reforçando que o ginecologista deve encaminhar a paciente ao mastologista quando tiver alguma dúvida em relação ao exame de imagem preventivo. “Por exemplo, se a mamografia apresentar alguma nodularidade, microcalcificação ou qualquer alteração e o profissional não se sentir confortável em lidar com esse cenário, ele pode referenciar para algum mastologista da sua confiança. Isso vale também para algum achado de ultrassom ou de exames físicos. Nesse ímpeto, acho que é melhor pecar por excesso.” Por fim, nossos entrevistados destacaram a importância dos ginecologistas, sobretudo agora, nesse cenário de pandemia, com a demanda represada de exames e tratamentos. “Orientem suas pacientes a realizar os exames de rastreamento ou diagnóstico que elas deixaram de fazer no período mais crítico da pandemia. Teremos dificuldade em atender todas se decidirem realizar os exames ao mesmo tempo. Já é seguro realizar sua rotina de exames, não percam mais tempo”, ressaltou Felipe Zerwes.

“Realmente, a recomendação feita em março e abril, momentos de muita incerteza em relação a não realização de exames, foi, de certa forma, importante para aquele período a fim de evitar o colapso do sistema de saúde e a contaminação demasiada das pacientes. Entretanto, isso gerou um problema, pois muitas mulheres continuam sem realizar o rastreamento mamário, fundamental para a detecção precoce do câncer. Dessa forma, neste momento, as mulheres precisar procurar assistência médica, independentemente da pandemia”, ratificou o Dr. Fábio.

Por Letícia Martins

Fonte: Revista Femina – Outubro 2020

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