Osteoporose – uma epidemia silenciosa

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Blog da Ginecologista Dra. Ana Lúcia Marques

Uma a cada três mulheres sofre com osteoporose, que causa fraturas, prejudiciais à qualidade de vida. O Dia Mundial da Osteoporose, 20 de outubro, chama a atenção para os fatores de risco da doença, entre eles a história familiar

Uma doença assintomática que atormenta 200 milhões de pessoas no mundo, sendo 10 milhões de brasileiros, e mira principalmente o público feminino: uma em cada três mulheres acima dos 50 anos de idade tem osteoporose. Isso porque, após a menopausa, os níveis do estrogênio, hormônio que ajuda a equilibrar a saúde dos ossos, caem, deixando as estruturas ósseas mais frágeis, podendo provocar fraturas em locais como coluna, antebraço e quadril.

Estima-se que a cada três segundos ocorra uma fratura osteoporótica, totalizando aproximadamente 9 milhões de fraturas anualmente em todo o planeta. A osteoporose diminui a qualidade de vida dos pacientes, podendo causar incapacidade a longo prazo, perda de independência e até a morte.

“Cerca de 20% das pessoas que sofrem uma fratura no quadril morrem no prazo de seis meses após o problema e 80% ficam com alguma necessidade para funções diárias do cotidiano”, expôs a ginecologista e obstetra Adriana Orcesi Pedro, presidente da Comissão Nacional Especializada (CNE) de Osteoporose da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e professora livre-docente em Ginecologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

A boa notícia: é possível prevenir a osteoporose e, com cuidados precoces, evitar as fraturas. Adriana explicou que está nas mãos dos ginecologistas e obstetras atuar na prevenção dessa doença tanto quanto de outras enfermidades, como câncer de mama e de útero. “O ginecologista tem uma oportunidade de ouro de preservar e melhorar a saúde óssea das pacientes, já que acompanha as mulheres em todas as fases da vida”, afirmou a médica.

Na adolescência, por exemplo, o ginecologista pode orientar a menina a ter uma alimentação adequada em cálcio e outros nutrientes importantes para a saúde óssea, estimular a atividade física de forma regular e auxiliar na escolha de contraceptivos que não interfiram na massa óssea. Para a grávida e lactantes, a recomendação é fazer a suplementação de cálcio, vitamina D e proteína (quando indicado) e estimular a atividade física. Após a menopausa, além das orientações anteriores, se houver indicação, recomenda-se iniciar a terapia hormonal. “Nós podemos fazer qualquer diferença, aliás, toda diferença na vida da mulher, principalmente se começarmos a cuidar dela precocemente”, declarou a presidente da CNE de Osteoporose.

Porém, a médica argumentou que o assunto ainda é pouco abordado nos consultórios e fez um alerta: “Enquanto o ginecologista não se envolver com o cuidado da saúde óssea das pacientes, dificilmente o panorama dessa epidemia silenciosa irá mudar”. Ela destacou que o Brasil está caminhando para um cenário lamentável. Estimativas apontam que o número de fraturas relacionadas à doença deve subir quase 70% até 2030. Por isso, campanhas como a do Dia Mundial de Combate à Osteoporose (20 de outubro) e ações realizadas pela CNE de Osteoporose da Febrasgo (confira algumas delas no quadro) são fundamentais para despertar a consciência da população e dos médicos em geral.

O Dia Mundial de Combate à Osteoporose, celebrado no dia 20 de outubro, foi idealizado como uma campanha anual dedicada à conscientização global para prevenção, diagnóstico e tratamento da osteoporose. E especialmente em um ano pandêmico, tão difícil e atípico, a campanha enfatiza o papel da família no suporte e cuidados ao paciente com osteoporose.

A campanha deste ano tem como objetivo a conscientização de que a osteoporose ocorre em famílias e que um dos principais fatores de risco é a osteoporose dos pais, ou seja, a saúde óssea é uma preocupação entre gerações, pois o fator genético é o mais importante fator de risco não modificável e um dos mais importantes determinantes da massa óssea. Dessa forma, reforça o objetivo da campanha 2020, que é o reconhecimento precoce dos fatores clínicos de risco para osteoporose, enfatizando a necessidade de instituir estratégias para redução de fraturas. Outra questão de importância é a sobrecarga da família e de cuidadores no auxílio ao familiar que sofre com a osteoporose e com as sequelas pós-fraturas, como a perda de mobilidade e a incapacidade de realizar as tarefas diárias.

A reumatologista Vera L. Szejnfeld, professora doutora adjunta da Disciplina de Reumatologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora do Comitê de Doenças Ósseas e Osteoporose da Sociedade Brasileira de Reumatologia, corroborou a importância dos ginecologistas na prevenção e na detecção da osteoporose. “Os ginecologistas têm a capacidade de fazer o rastreamento, o diagnóstico e a prevenção da osteoporose mais do que qualquer outra especialidade, pois a mulher, em todas as fases da vida, procura e confia nesse especialista. Ela só vai ao reumatologista ou ao endocrinologista quando o estágio da doença está mais avançado e uma grande quantidade do osso já foi perdida”, declarou a médica, que também integra a CNE de Osteoporose.

PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA

Com o aumento da expectativa de vida da população, os problemas de saúde relacionados ao avanço da idade também crescem, em alguns casos em escala geométrica, como analisou o ginecologista Ben Hur Albergaria, professor da Universidade Federal do Espírito Santos e vice-presidente da CNE de Osteoporose da Febrasgo. “A osteoporose já é um dos maiores desafios em termos de saúde pública mundial. O número de fraturas é enorme e implica um alto custo para a sociedade”, acentuou.

Segundo Albergaria, o Brasil gasta cerca de R$ 2 bilhões com diagnóstico, custos de afastamento de trabalho e tratamento da osteoporose. “Esses custos podem ser minimizados se o ginecologista identificar essa paciente na fase de osteopenia, quando o tratamento é bastante simples e reduz dramaticamente a chance de progressão da doença”, disse. “A osteoporose é uma doença, por natureza, multidisciplinar. Dessa forma, várias especialidades vão tratá-la em algum momento da sua história natural, porém a posição do ginecologista é estratégica ao longo do desenvolvimento dela”, completou o médico, frisando que o ginecologista pode modificar a história natural da doença e consequentemente os custos do tratamento.

DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

Existem vários fatores de risco para o aparecimento da osteoporose. Mulheres brancas e magras têm mais chances de desenvolvê-la, assim como fumantes e indivíduos com histórico familiar de fraturas. Algumas causas de osteoporose secundária são doenças endócrinas, como diabetes mellitus, além de deficiência de cálcio e/ou vitamina D, anorexia nervosa; uso de medicações, como glicocorticoides e anticonvulsivantes; doenças reumáticas e renais, entre outras.

A primeira etapa da perda óssea, chamada osteopenia, tem início com o desequilíbrio entre as células de formação e reabsorção óssea. É uma situação que merece acompanhamento clínico para avaliar os fatores de risco e sua evolução. Muitas vezes, apenas a adequação de cálcio e vitamina D em conjunto com exercícios físicos e prevenção de quedas é o suficiente.

Quando o quadro evoluiu, o risco de osteoporose aumenta, e o principal exame para detectar precocemente a osteoporose é a densitometria óssea. Toda mulher com mais de 65 anos e homens acima de 70 anos de idade devem fazer esse exame. Adultos com mais de 50 anos que tenham fatores de risco também devem ser avaliados. Para a Dra. Vera, o maior desafio da osteoporose é a adesão do paciente ao tratamento, visto que a enfermidade é assintomática. “Por ser uma doença indolor e silenciosa, o paciente geralmente faz três ou quatro meses de tratamento e depois abandona, porque não entende que precisa tratar a longo prazo”, explicou a reumatologista.

Os principais tratamentos são a terapia de reposição hormonal, que precisa ser iniciada no momento certo, e a adoção de hábitos saudáveis de vida, como prática regular de exercícios físicos, principalmente aqueles com pesos, para fortalecer os músculos e treinar o equilíbrio, e dieta rica em nutrientes saudáveis para os ossos: cálcio, vitamina D e proteína.

Ricardo Vasconcellos Bruno, chefe do Serviço de Reprodução Humana, Ginecologia Endócrina e Climatério do Instituto de Ginecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro da CNE de Osteoporose da Febrasgo, acrescentou que o desafio de tratar a osteoporose envolve a participação do ginecologista. “A preocupação da classe médica e das pacientes com a osteoporose ainda é muito pequena e, por isso, a CNE de Osteoporose, como outras instituições, realiza campanhas e eventos para chamar a atenção para os fatores de risco da osteoporose. Não podemos pensar nessa doença somente na fase da menopausa”, contextualizou o médico.

Ele recomenda o uso do questionário de Verificação de Risco de Osteoporose (http://riskcheck.iofbonehealth. org), que a própria paciente poderá responder on-line e que identifica os fatores clínicos de risco que podem predispor ao surgimento da doença. Lançada pela International Osteoporosis Foundation (IOF) com o apoio da Febrasgo, a ferramenta on-line traz um rápido e dinâmico questionário programado para combinar diferentes marcadores biológicos e de hábitos de vida, com a finalidade de alertar sobre os perigos da doença. “É preciso reforçar as orientações de prevenção primária para que os pacientes não corram o risco de sofrer uma fratura, mas, caso aconteça, que a primeira fratura seja a última”, salientou a Dra. Vera.

CÂNCER DE MAMA E OSTEOPOROSE

O mês de conscientização da osteoporose coincide com outra campanha igualmente importante: o Outubro Rosa. O câncer de mama é o mais frequente no mundo no público feminino, com incidência de 74 em cada 100 mil mulheres; segundo a Organização Mundial da Saúde, a taxa de sobrevida é de 90%.

Aproximadamente 43% dessas mulheres ainda não entraram na menopausa quando recebem o diagnóstico de câncer de mama. Os cuidados com a massa óssea dessas pacientes configuram um ponto de atenção importante, tendo em vista que, durante o tratamento, que tem como objetivo induzir ao hipoestrogenismo, haverá impacto negativo na massa óssea. “Dependendo do tratamento hormonal que ela fizer para o câncer, essa paciente pode perder até 8% de massa óssea por ano. Em três anos, ela poderá ter um risco aumentado de fraturar”, analisou a presidente da CNE de Osteoporose, Adriana Pedro.

Há, ainda, um agravante: as pacientes tratadas do câncer de mama têm contraindicação à terapia de reposição hormonal. “Isso piora bastante o tratamento, pois essas mulheres têm perfil de risco muito maior para desenvolver osteoporose e sofrer fraturas. A recomendação deve ser voltada para a adoção de um estilo de vida saudável, excelente alimentação, reposição de cálcio e vitamina D e um acompanhamento médico muito próximo”, explicou o Dr. Ricardo Bruno.

A paciente que passou pelo câncer de mama e está tratada precisa lidar ainda com o risco dos efeitos colaterais a longo prazo do tratamento, como atrofia genital, sintomas de menopausa, dificuldades de libido, alteração cardiovascular e também osteoporose. Nessas pacientes, o ginecologista deve avaliar os fatores de risco para fratura e, se houver, iniciar o tratamento para impedir a perda de massa óssea. “Então, nossa mensagem é para que todos os ginecologistas não foquem somente no câncer de mama. Precisamos nos preocupar com a saúde óssea das pacientes. Essa tem sido a recomendação das sociedades de oncologia, quando colocam a saúde óssea entre as recomendações de acompanhamento de todas as sobreviventes do câncer de mama”, concluiu a Dra. Adriana.

Por Letícia Martins

Fonte: Revista Femina – Outubro 2020

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