Onde há fumaça, há perigo – o cigarro e a saúde da mulher

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Blog da Ginecologista Dra. Ana Lúcia Marques

Cigarro afeta a saúde da mulher de várias maneiras, aumentando o risco de infertilidade, aborto e menopausa precoce, entre outros problemas.

Quem acende um cigarro alegando algum momento de prazer nem sempre tem consciência do tamanho do perigo que está correndo. O tabagismo é considerado, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a principal causa de morte evitável em todo o mundo.

De acordo com a OMS, mais de 8 milhões de pessoas morrem por ano por causa do tabaco, e cerca de 1,2 milhão são fumantes passivos, isto é, não possuem o vício, mas convivem diretamente com fumantes. Esses representam um terço da população adulta do planeta.

O tabagismo provoca sérios danos à saúde tanto dos homens quanto das mulheres. Problemas como enfisema, bronquite crônica, doenças cardiovasculares e vários tipos de câncer, como de pulmão, bexiga, intestino, boca e faringe, esôfago, estômago, fígado e pâncreas, figuram entre os malefícios do tabagismo, considerado pela OMS uma ameaça à saúde coletiva e uma pandemia global – para usar um termo atual.

Para conscientizar os fumantes em geral sobre a necessidade de parar de fumar, foi criada no Brasil, em 1986, a Lei Federal nº 7.488, que institui o Dia Nacional de Combate ao Fumo (29 de agosto). Este ano, os tabagistas ganharam mais um motivo para abandonar o cigarro: a pandemia do novo coronavírus. Isso porque o tabaco tem papel de destaque no agravamento da COVID-19, já que é fator de risco para a transmissão do vírus e para o desenvolvimento de formas mais graves da doença causada pelo Sars-CoV-2.

Independentemente da COVID-19, os danos do cigarro atingem ainda mais a saúde feminina. “O tabagismo pode afetar a fertilidade da mulher e se associar a complicações gestacionais e pós-gestacionais, que podem acometer o feto e a criança que com ela convive. Além disso, os cânceres do colo do útero, de mama, de ovários e de vulva também se associam ao hábito de fumar”, apontou o médico ginecologista Rogério Bonassi Machado, presidente da Comissão Nacional Especializada (CNE) em Anticoncepção da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

Fumar durante a gravidez traz graves riscos, como abortos espontâneos, nascimentos prematuros, bebês de baixo peso, mortes fetais e neonatais. “O cigarro diminui o fluxo de sangue para o útero e altera a camada onde o óvulo vai se implantar. Devido a essa insuficiência placentária, o feto fica com um peso menor. Ele ainda pode nascer prematuro em função de um risco aumentado de descolamento prematuro de placenta”, explicou a médica obstetra Rosiane Mattar, presidente da CNE em Gestação de Alto Risco da Febrasgo e professora titular do Departamento de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Abandonar o vício do cigarro antes de engravidar também é uma forma de proteger o bebê: “O acúmulo de monóxido de carbono e nicotina no organismo da gestante impede a oxigenação adequada da mãe, comprometendo a saúde do bebê mesmo antes do nascimento”, pontuou Rosiane, que esclareceu ainda que as gestantes que fumam têm risco maior de desenvolver outras comorbidades durante a gravidez, como hipertensão arterial.

Para a mulher que planeja engravidar, não existe, portanto, melhor recomendação do que esta: apague de uma vez por todas o cigarro da sua vida para não colocar em xeque a própria fertilidade. “Mulheres que fumam têm 60% mais chance de desenvolver infertilidade”, apontou Rui Ferriani, professor titular de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) e presidente da CNE de Reprodução Humana da Febrasgo.

O cigarro não interfere apenas na fertilidade feminina. Ferriani destacou que o tabagismo eleva o risco de impotência sexual e aumenta o estresse oxidativo do sêmen, diminuindo cerca de 22% a concentração de espermatozoides, segundo dados da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva.

O tabagismo vem diminuindo no mundo todo, por conta de campanhas e educação permanente focando os riscos associados ao hábito de fumar, além de leis municipais sobre ambiente livre. “No Brasil, as mulheres fumantes representam 11%, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde. Para a diminuição ainda maior do número de tabagistas, há necessidade de aumento das ações preventivas, que inclui a educação em saúde como elemento primordial”, argumentou Bonassi.

Por outro lado, muitas pessoas ainda não assimilaram os riscos do fumo para a fertilidade. De acordo com dados da instituição americana, enquanto 99% reconhecem que o cigarro causa câncer de pulmão e 96% sabem que o tabagismo provoca doença cardíaca, apenas 22% associaram o fumo à infertilidade.

Por isso, o presidente da CNE de Reprodução Humana da Febrasgo também ressaltou a importância do Dia Nacional de Combate ao Fumo, com a disseminação de informações para toda a sociedade.

“Colocar imagens dos danos provocados pelo cigarro nas embalagens pode ajudar, mas não resolve, pois, muitas vezes, as pessoas só enxergam aquilo que elas querem. Nesse sentido, é fundamental ações de conscientização coletiva para despertar mais a curiosidade dos fumantes e levá-los a entender os prejuízos que o tabaco causa ao organismo, entre eles na fertilidade”, reforçou Ferriani.

ANTICONCEPCIONAIS E CIGARRO: COMBINAÇÃO PERIGOSA

As doenças cardiovasculares representam a maior causa de mortalidade em todo o mundo e se associam intimamente ao fumo. Por essa razão, o doutor Rogério Bonassi, da CNE de Anticoncepção da Febrasgo, faz o alerta: mulheres fumantes que usam anticoncepcionais combinados, que contêm estrogênios e progestagênios em suas formulações, aumentam o risco cardiovascular, especialmente aquelas que consomem mais de 15 cigarros ao dia.

“Independentemente da idade, tabagistas de 15 ou mais cigarros por dia devem usar outros métodos, se possível. Por outro lado, mulheres acima de 35 anos que fumam, independentemente do número de cigarros consumidos diariamente, têm contraindicação a todos os métodos que contêm estrogênios em suas formulações. Nessas situações, o risco de infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e tromboembolismo é aumentado”, afirmou Bonassi.

Dessa forma, os contraceptivos contendo somente progestagênios e os dispositivos intrauterinos (de cobre ou hormonal) podem ser usados com segurança em tabagistas.

O médico esclareceu ainda que os efeitos negativos do tabaco começam a surgir conforme a carga tabágica, ou seja, o número de cigarros consumidos por dia ao longo do tempo. “Quanto maior o consumo de cigarros, mais rapidamente os prejuízos começam a aparecer. A maior parte dos estudos, no entanto, considera que o tempo prolongado, acima de cinco anos, também figura como fator para a ocorrência de doenças”, apontou.

Em relação às fumantes passivas, Bonassi explicou que existem controvérsias sobre o assunto, porém “sabe-se que o tabagismo passivo pode associar-se a aumento da morbidade e mortalidade perinatal, incluindo baixo peso ao nascer, aborto espontâneo, parto prematuro, placenta prévia, ruptura prematura de membranas, restrição de crescimento intrauterino e morte súbita do recém-nascido”.

Outra consequência negativa da nicotina é a menopausa precoce. Estudos mostram que o tabagismo pode adiantar a menopausa em cerca de um a três anos. “O cigarro é inimigo das medicações hormonais, porque ele potencializa o risco de trombose e torna a reposição hormonal menos efetiva”, disse o doutor Ferriani.

APOIO PARA PARAR DE FUMAR

O que geralmente começa com uma tragada eventual evolui para uma dependência química, e o fumante que tenta deixar o cigarro acaba se defrontando com “Falar sobre os danos do tabagismo para a saúde da mulher e do bebê deve fazer parte da anamnese”, salientou a Dra. Rosiane Mattar. grandes desconfortos físicos e psicológicos. Por isso, a doutora Rosiane acredita que o ginecologista, como principal médico que cuida da saúde da mulher, precisa chamar, sempre que possível, a atenção da paciente para esse tema. “Falar sobre os riscos do tabagismo para a saúde da mulher e do bebê deve fazer parte da anamnese. O ginecologista precisa perguntar para a paciente se ela, o companheiro ou alguém da casa fuma e orientá-los a parar o mais rapidamente possível quando a resposta for positiva”, salientou Rosiane. No caso da gestante, vale tocar no assunto a cada consulta de pré-natal e questioná-la também sobre outros hábitos que podem indicar uma tendência ao tabagismo. “Muitas mulheres comentam que sentem vontade de fumar quando bebem. Por isso, é importante que perguntas sobre os hábitos das pacientes façam parte da anamnese”, completou Rosiane.

Se a mulher solicitar auxílio, cabe ao médico encaminhá-la para um grupo de apoio – existem diversas instituições sérias que ajudam a diminuir e até interromper o uso do cigarro. 

Por Letícia Martins

Fonte: Revista Femina – Agosto 2020

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