A partir da 39ª semana de gestação, o médico poderá realizar a operação por solicitação da paciente
É ético o médico atender à vontade da gestante de realizar parto cesariano, garantidas a autonomia do médico e da paciente e a segurança do binômio materno fetal – é o que afirma o Conselho Federal de Medicina (CFM) na Resolução nº 2.144/2016. Em vigor desde o dia 22 de junho, a norma define critérios para cesariana a pedido da paciente no Brasil e estabelece que, nas situações de risco habitual e para garantir a segurança do feto, somente poderá ser realizada a partir da 39ª semana de gestação.
“A autonomia da paciente é princípio bioético relevante e foi um dos norteadores do CFM para a elaboração dessa norma, que considerou também a justiça, a beneficência e a não maleficência. Para que o parto cesariano por conveniência da paciente seja aceito, é mister que ela seja bem informada e orientada previamente para compreender as implicações de sua decisão”, explica o obstetra José Hiran Gallo, relator da Resolução e coordenador da Comissão de Ginecologia e Obstetrícia (CTGO) do CFM.
Nas primeiras consultas do pré-natal, o CFM orienta que médico e paciente discutam de forma exaustiva sobre benefícios e riscos tanto do parto vaginal quanto da cesariana, bem como sobre o direito de escolha da via de parto pela gestante. Para o pediatra e 2º secretário do CFM Sidnei Ferreira, “a escolha do tipo de parto como decisão conjunta médico/gestante é bem-vinda, devendo ser respeitado o desejo da mulher. Entretanto, não se pode perder de vista que o mais importante é preservar a saúde e a vida da mãe e do concepto”.
Para realização de parto cesariano a pedido, passa a ser obrigatória a elaboração de termo de consentimento livre e esclarecido pelo médico para que seja registrada a decisão da parturiente. O documento deve ser escrito em linguagem de fácil compreensão, respeitando as características socioculturais da gestante. O médico deve esclarecê- -la e orientá-la tanto sobre a cesariana quanto sobre o parto normal.
“A paciente, quando devidamente esclarecida, decide com o médico as suas opções de tratamento. O fulcro é a harmonização entre o princípio da autonomia do paciente e a do médico, que deve se basear na melhor evidência científica, sendo que o foco é garantir a segurança fetal e materna”, ressalta Gallo.
Gestação a termo é marco seguro
O CFM adotou o marco de 39 semanas por ser o período em que se inicia a gestação “a termo”. Rede nida em 2013 a partir de estudos analisados pelo Defining “Term” Pregnancy Workgroup, organizado pelo Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas (Acog), “a termo” é o perí- odo que vai de 39 semanas a 40 semanas e 6 dias. Antes dessa recomendação, bebês que nasciam entre a 37ª e a 42ª semanas eram considerados maduros. No entanto, pesquisas apontaram a incidência recorrente de problemas específicos em grupos de neonatos com idade gestacional inferior a 39 semanas.
De acordo com a Acog, bebês que nascem antes do tempo têm maior possibilidade de apresentar problemas respiratórios, como a síndrome do desconforto respiratório; dificuldades para manter a temperatura corporal e para se alimentar; altos níveis de bilirrubina, podendo causar icterícia e, em casos severos, gerar danos cerebrais; além de problemas de visão e audição. Entre 37 e 39 semanas, o bebê atravessa uma fase crítica de desenvolvimento do cérebro, dos pulmões e do fígado, alerta o Instituto Nacional (norte-americano) de Saúde da Criança e Desenvolvimento Humano (NICHD), conforme lembrou a conselheira Adriana Scavuzzi, também membro da Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia do CFM.
“Quando não há indicação médica que justifique a antecipação do parto, é primordial respeitar o prazo de 39 semanas para realização de cesariana a pedido da gestante. Um dos reflexos dessa norma será a redução de casos de recém-nascidos com dificuldades de adaptação à vida extrauterina e, consequentemente, a redução das taxas de internação em unidades de terapia intensiva neonatal”, aponta o pediatra e corregedor do CFM José Fernando Vinagre.
A idade gestacional do nascimento é um marco importante na análise de dados epidemiológicos sobre morbidade e mortalidade perinatal, e, apesar da crescente demanda por leitos de UTI neonatal, 86 foram fechados no País somente no primeiro trimestre de 2016, de acordo com dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS).
Dados sobre parto devem ter indicadores
“Os esforços devem se concentrar em garantir que cesáreas sejam feitas nos casos em que são necessárias, em vez de buscar atingir uma taxa específifica”, afirma a Organização Mundial da Saúde (OMS) em relatório publicado, em 2015, sobre a revisão das taxas.
Segundo o Ministério da Saúde, “considerando as características da nossa população, que apresenta entre outros distintivos um elevado número de operações cesarianas anteriores, a taxa de referência ajustada para a população brasileira gerada a partir do instrumento desenvolvido para este fi m pela OMS estaria entre 25-30%”.
As taxas de cesárea no Brasil, apesar de ajustadas, são estimativas, visto que não há um sistema de classificação nacional. Considerando o cenário global, a OMS afirma que também “não existe uma classificação de cesáreas aceita internacionalmente que permita comparar, de forma relevante e útil, as taxas em diferentes hospitais, cidades ou regiões”.
“Há que se ressaltar que a cesariana salva vidas. Em diversos casos é uma indicação médica que visa a garantir a segurança tanto do bebê quanto da parturiente. Ter indicadores de partos é de extrema importância, mas é necessário definir padrões, e a Classificação de Robson, recomendada pela OMS, é o método adequado para o Brasil implantar”, explica o diretor do CFM José Hiran Gallo.
A Classificação de Robson, apresentada em 2001 pelo médico Michael Robson, reúne as gestantes em 10 grupos conforme suas características obstétricas, como nulíparas com feto único em apresentação pélvica e multíparas sem cesárea anterior com feto único, cefálico, ≥ 37 semanas e em trabalho de parto espontâneo. As características de definição dos grupos são informações colhidas rotineiramente nos hospitais, o que viabiliza a implantação do sistema, a tabulação e a comparação dos dados.
Além de recomendar a Classificação de Robson “como instrumento padrão em todo o mundo para avaliar, monitorar e comparar taxas de cesáreas ao longo do tempo em um mesmo hospital e entre diferentes hospitais”, a OMS informou que irá construir “um manual sobre como usar, implementar e interpretar a classificação de Robson, que incluirá a padronização de todos os termos e definições”.
Fonte: Jornal Medicina | junho 2016