Lipoenxertia – aplicações em ginecologia e mastologia: estética ou terapia?

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    Lipoenxertia
    Imagem de wayhomestudio no Freepik

    O que é lipoenxertia?

    O termo lipoenxertia remete ao processo de realocação de gordura corporal, sem qualquer pedículo vascular próprio deste tecido, em uma área receptora. Tal transferência visa modificar tanto característica físicas da área receptora como forma, volume e contorno quanto características funcionais melhorando a qualidade da pele e/ou mucosa que recobre a gordura transplantada (consistência, elasticidade, perfusão, sensibilidade e textura).

    Esta capacidade de “revitalização” se dá graças à atividade de um conjunto de células e fatores decrescimento tecidual presentes no lipoaspirado. Analisando de maneira pormenorizada a matriz extracelular que compõe este tecido gorduroso é possível identificar não apenas adipócitos, como também uma gama de diferentes tipos celulares pré-adipócitos, células de músculo liso, células endoteliais, fibroblastos e as células-tronco derivadas de adipócitos (ADSC – adipose-derived stem cells). A ação conjunta destes elementos permite a rápida diferenciação dos pré-adipócitos em adipócitos, assim como a diferenciação das ADSC em muitos tipos celulares, promovendo a neoangigênese, facilitando a sobre-vivência do lipoenxerto e levando a melhorias substanciais na área receptora

    Como ele é feita?

    Por se tratar de um enxerto, a sobrevivência inicial deste tecido depende única e exclusivamente da difusão direta dos componentes do plasma como forma de nutrição. Por isso, fatores como a qualidade da gordura da área doadora, a técnica de coleta e preparo do lipoaspirado a transferência do lipoenxerto, o estado de vascularização da área receptora, a pressão hidrostática dos capilares assim como a pressão tissular após transferência da gordura são cruciais para uma melhor “pega” do enxerto e, consequentemente, uma redução da reabsorção e das possíveis complicações locais. Porém, o caminho para a compreensão e o entendimento do tecido gorduroso como meio de re-paro e melhoria em áreas receptoras passou por diversas evoluções e melhorias ao longo do tempo

    Os primeiros registros do uso terapêutico do tecido adiposo como “poderoso remédio para feridas e doenças” datam do ano 1601 quando cirurgiões holandeses carregavam sacos repletos de gordura humana coletados das batalhas envolvidas na libertação da cidade de Ostende dos domínios do Império Espanhol. O uso para fins estéticos e reparadores foi primeiramente descrito por Neuber, em 1893, como objetivo de corrigir defeitos faciais causados por tuberculose. Logo em 1895, Czerny fez a transferência de um lipoma da região lombar para preenchimento de um defeito pós-mastectomia. Em 1987, mesmo após Bircoll publicar uma série de casos bem-sucedidos do emprego de enxerto autólogo de gordura para aumento e reconstrução mamária, a Sociedade Americana de Cirurgia Plástica e Reconstrutora se posicionou contra o emprego desta técnica, alertando sobre riscos de formação de massas no local do enxerto, necrose gordurosa, dor e reação inflamatória exagerada, além de dificultar o diagnóstico imagino lógico de carcinomas mamários.

    Após esta publicação, a lipoenxertia permaneceu um longo período em desuso. Até que em2007 Coleman reascendeu a busca por comprovações da eficácia e segurança da lipoenxertia, Criando o conceito de Enxerto Estruturado de Gordura (Structural Fat Grafting) o autor padronizou a técnica de obtenção, preparo e transferência da gordura. Entendeu-se que o volume total do enxerto deve ser transferido em pequenas porções, em forma de micro túneis em múltiplas camadas, aumentando assim a área de contato entre o lipoenxertoe o tecido receptor, melhorando a nutrição e consequentemente a estabilidade do tecido transferido.

    Na técnica de Coleman, a gordura pode ser obtida de diferentes áreas doadoras (parte interna das coxas, abdômen, regiões trocantéricas, dorso, glúteos, etc.) que podem ou não ser infiltradas por solução contendo lidocaína e adrenalina. À aspiração é feita sob baixa pressão negativa, utilizando-se de cânulas conectadas a seringas. O material bruto obtido é então pro-cessado por centrifugação, a uma velocidade de 3000 rotações por minuto, durante 3 minutos. Após esta etapa, obtém-se um conteúdo divido em três camadas: fase oleosa, fase de tecido gorduroso e fase hemática. Despreza-se a fase oleosa e hemática, de modo que apenas a fase intermediária, rica em células e matriz extracelular, será lipoenxertada. Atualmente, outras técnicas de preparo da gordura aspirada como a decantação e lavagem também já tiveram sua eficácia comprovada, ficando a critério do cirurgião definir qual empregar. A transferência do material preparado é realizada por meio de cânulas finas (diâmetro entre 1,5 e 2,0mm), em estruturas de micro-túneis, em diferentes camadas, viabilizando uma maior superfície de troca entre as células enxertadas e a área receptora.

    A primeira descrição do enxerto de gordura utilizado como forma de correção de perda de volume e atrofia dos grandes lábios foi realizado por Felicio, em 2007, Desde então, muitas outras técnicas foram descritas e aprimoradas, conforme revisão publicada por Jabbour e colaboradores.

    Fonte: Revista SOGESP | 2023

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