A VELHICE E A LUZ

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Alcides Mandelli Stumpf Mehr Lincht! Mais luz! Foram as últimas palavras de Johann Wolfgang Von Goethe, o maior escritor alemão, em seu leito de morte.

 

Há anos, li uma crônica de Carlos Heitor Cony que bem descrevia o ocaso da existência humana. Cheguei a guardar o recorte do jornal, mas acabei perdendo no tempo, como perdi muitas coisas boas da vida, nas gavetas, nos bolsos, no computador e nos escaninhos da memória.

 

Dizia o imortal mais ou menos assim: eis que no interior da Inglaterra, um lorde e seu mordomo, ao final da tarde, contemplam o horizonte. A paisagem bucólica é embalada pelo sussurro da brisa crescente. Distraído, o lorde mira o anoitecer. James, o mordomo (não sei por que todos os mordomos ingleses se chamam James), aproxima-se gentilmente e oferece whisky. Quebrada a inércia, puxa conversa: ”Sir, creio que teremos chuva…”. Indagação aparteada pelo patrão fleumático: “Engano seu, meu caro James. De forma alguma teremos chuva. Na verdade, você terá a sua chuva e eu terei a minha chuva”. Encerrada a conversa.

 

Tal alegoria mostra com graça como os fatos, as vicissitudes, o destino acontece de modo singular para cada um e cada qual. A chuva do lorde não era a mesma chuva de James; tampouco a chuva do mordomo foi a do amo. São eles – e somos nós – pessoas diferentes, únicas nos seus modos e jeitos.

 

Certamente o mesmo acontece com a velhice, tão comum a todos que a alcançam, mas distinta nas lembranças, dores e recompensas individuais. E, por que não, nas alegrias e glórias insuperáveis.

 

Também cada qual deveria desfrutar de seu ninho de proteção e alento, seu lar. Enfim, receber um pouco de retorno daquilo que (nem) sempre deram, durante a vida.

 

E é bom lembrar: filhos, sobrinhos, afilhados e assemelhados, por mais bondosos, dedicados ou próximos que sejam, não ouvem o lamento silencioso que os velhos guardam no fundo da alma; a certeza da partida iminente, deixando para trás e para sempre os que mais amam.

 

Viva seus desencontros e entenda que a existência é assim mesmo: tem começo, meio e fim. Não reparta com ninguém o que é impossível dividir. Prepare-se bem, pois o fim irreversível virá para todos um dia. “Está morto. Podemos elogiá-lo à vontade”- dizia Machado de Assis.

 

Assim, aproveite bem os seus velhos pais e também seus filhos. Reparta suas felicidades e alegrias com sua família e amigos, e eles retribuirão com devoção e amor.

 

Fique, leitor, com a sua chuva, que não é a minha, embora nos molhe a todos.

 

Ao final, deixo um último e útil lembrete: se o amigo tem mais de 60 anos, e acordar certo dia sem nenhuma dor, cuidado! Você pode estar morto e não sabe. Na dúvida, faça como Goethe, peça luz e veja o que acontece.

 

Alcides Mandelli Stumpf – Médico 

 

Fonte: Pensar Unimed | Maio – 2014

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