10 COISAS QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE NUTRIÇÃO NA GESTAÇÃO

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A gravidez é um período de intensas mudanças na fisiologia materna que visam a promover o crescimento e o desenvolvimento fetal. A ingestão adequada de nutrientes garante esses processos, por isso é fundamental avaliar, monitorar e, quando necessário, promover mudanças para melhorar a nutrição materna e assegurar a saúde do binômio materno-fetal.

1. A água é elemento fundamental para manter o estado nutricional materno saudável

A boa hidratação é vital para a saúde e o bem-estar na gestação. Evidências crescentes sinalizam que a baixa ingestão de água, ou a desidratação leve, pode estar ligada ao risco de doenças crônicas. A ingestão reduzida de água ou o baixo volume de urina estão associados a resultados negativos na saúde, como aumento do risco de doença renal crônica, redução na função renal, desenvolvimento de hiperglicemia e constipação.

A recomendação de ingestão adequada de água por mulheres grávidas é de 2.300 mL/dia, o que representa aumento de 300 mL/dia, em comparação às não grávidas.

A gravidez e a lactação representam desafios excepcionais para a homeostase da água. Todos os alimentos contêm água, embora a quantidade dela em um alimento varie entre dietas. Assume-se que a água dos alimentos contribui com 20% a 30% do consumo total de água, mas o tipo e a quantidade de alimentos consumidos determinarão o nível dessa contribuição.

Uma vez que muitos fatores (por exemplo, disponibilidade de alimentos, clima, aspectos culturais, saúde, condições socioeconômicas, idade, fatores psicossociais, aspectos religiosos e práticas agrícolas) influenciam na seleção de alimentos para a dieta habitual, a quantidade de água obtida a partir dessa fonte pode variar.

Apesar de as recomendações sobre o aumento da ingestão hídrica serem bem conhecidas, pesquisas sugerem consistentemente a necessidade de ampliar a conscientização da população sobre a importância da ingestão adequada de água, particularmente durante a gravidez e a amamentação.

2. O consumo de alimentos ricos em fibras é essencial para a saúde materna

O aumento da ingestão dietética de frutas ricas em fibras, vegetais e grãos integrais é muitas vezes recomendado como parte de uma orientação dietética saudável. Ingredientes ricos em fibras, como farelo de trigo, aveia, cevada e fibras solúveis de prebióticos, também são recomendados para garantir a ingestão adequada de fibras alimentares. Mudanças no estado fisiológico materno durante a gravidez podem elevar o risco de vários transtornos intestinais e doenças metabólicas. Desse modo, a necessidade de fibra dietética pode ser maior para a gestante do que para a população geral.

Na gestação, recomenda-se consumir 28 g de fibras dietéticas de diversas fontes alimentares, tais como frutas, vegetais e cereais integrais.

O consumo de fibra dietética durante a gravidez foi relacionado com a redução do risco de desenvolvimento de diabetes mellitus gestacional, préeclâmpsia e retenção de peso pós-parto.

A diminuição do consumo de vegetais e fibras de frutas, durante o segundo trimestre gestacional, tem sido associada ao aumento da glicemia de jejum em mulheres com história familiar de diabetes mellitus tipo 2, enquanto a maior ingestão de vegetais e frutas associou-se à redução da resistência à insulina.

Além disso, o consumo de fibras alimentares pode melhorar o quadro de constipação intestinal, frequente queixa na gravidez.

3. O DHA é o ômega-3 que traz benefícios para a nutrição no período gestacional

O ácido docosa-hexaenoico (DHA; C22:6n-3) é um ácido graxo poli-insaturado de cadeia longa da família ômega-3, fundamental para a formação e função do sistema nervoso, em particular para o cérebro e a retina. Durante a evolução humana, foi proposto um papel extraordinário do DHA, principalmente no que se refere ao crescimento e desenvolvimento cerebral.

O DHA em quantidade significativa é quase exclusivamente presente em frutos do mar, tais como peixes, mariscos, micro e macroalgas. Tem-se proposto de forma precisa que a incorporação desses alimentos marinhos à nutrição humana constituiu o ponto de viragem significativa na evolução humana, processo caracterizado pelo aumento de tamanho e complexidade do tecido cerebral e pelo desenvolvimento de habilidades mentais, cognitivas, comportamentais e motoras. O DHA é considerado essencial para o período perinatal; além disso, estudos têm demonstrado o papel neuroprotetor desse ácido graxo em outras fases da vida, especificamente durante o envelhecimento, em doenças neurodegenerativas cerebrais e em episódios de isquemia e reperfusão.

As recomendações para aumentar o consumo de peixe são contrariadas pelo medo da contaminação desses alimentos com metais pesados. No entanto, os benefícios do consumo de peixes ricos em ômega-3 podem superar os possíveis efeitos negativos do metal ou de outros contaminantes eventualmente presentes nesses alimentos. O consumo semanal de duas porções de peixes ricos em DHA, como salmão, atum, anchova ou cavala, pode contribuir significativamente para atingir a necessidade mínima desse ácido graxo no período gestacional.

Durante a gravidez, a ingestão mínima recomendada de DHA é de 200 mg/ dia. No Brasil, a ingestão materna de fontes alimentares de DHA é baixa e possivelmente não atinge essas recomendações.

A oferta adequada de DHA ao longo da vida, especialmente durante a gravidez, a lactação e a idade adulta, é essencial para promover o desenvolvimento apropriado, no período intrauterino e no início da vida, bem como para a preservação do tecido cerebral durante o envelhecimento. No período de gravidez e lactação, o DHA consumido a partir de alimentos marinhos ou de suplementação traz benefícios importantes aos recém-nascidos, especialmente nas funções cognitivas e visuais.

4. O consumo de peixe na gestação traz efeitos protetores sobre doenças atópicas e alérgicas em bebês

As mudanças na composição dos ácidos graxos na dieta humana, com elevação do consumo de ácidos graxos da família ômega-6 e redução da ingesta dos pertencentes à família ômega-3, coincidem com o aumento da prevalência de doenças atópicas em crianças. Isso ocorre porque a quantidade de ômega-6 na dieta influencia na taxa de formação de mediadores pró-inflamatórios da prostaglandina E2 , ampliando o desenvolvimento da sensibilização alergênica. Com o declínio no consumo de ácidos graxos da família ômega-3, em favor dos ácidos graxos pró-inflamatórios da família ômega-6, numerosos estudos realizados sugerem um papel protetor potencial dos ácidos graxos ômega-3 contra doenças alérgicas.

A ingestão materna de peixe durante a gravidez deve ser estimulada dentro de limites seguros, pois tem-se demonstrado de forma consistente os efeitos protetores dos ácidos graxos ômega-3 sobre doenças atópicas e alérgicas em bebês e crianças, inclusive em casos de eczema, asma e sensibilização por ácaros ou alimentos.

5. Muitas gestantes não consomem dieta rica em folatos

O folato é a forma natural encontrada nos alimentos, predominantemente em vegetais, enquanto o ácido fólico é a versão sintética do folato, a forma mais oxidada e estável. A ingesta adequada de ácido fólico é fator crítico para a prevenção dos defeitos de fechamento do tubo neural e de determinados tipos de anemia e outras condições adversas de saúde.

Os mamíferos não apresentam a capacidade de sintetizar folatos, portanto necessitam absorver essa vitamina a partir dos alimentos que consomem. Embora as fontes alimentares de folato sejam abundantes na maioria dos alimentos disponíveis, muitas pessoas não consomem dieta rica nesses nutrientes, seja pelas mudanças nos hábitos alimentares da vida moderna, seja devido ao custo de frutas e vegetais. Além disso, pode haver perda desse nutriente como resultado do processamento dos alimentos, a depender do tipo de cozimento utilizado.

Em nosso meio, a dieta materna não atinge o consumo diário recomendado de folatos, daí a importância da suplementação.

A suplementação periconcepcional de ácido fólico é considerada prática essencial para a prevenção primária dos defeitos do tubo neural fetal. Durante os períodos críticos da organogênese embrionária (o fechamento do tubo neural ocorre entre os dias 17 e 30 pós-concepção), a suplementação de ácido fólico está associada à redução da ocorrência e da recorrência de defeitos como espinha bífida e anencefalia.

6. O leite e os derivados lácteos constituem a maior fonte de cálcio

O cálcio é o mineral mais abundante no organismo e 99% dele se encontra no tecido ósseo e dentário. Para o desenvolvimento do esqueleto fetal, são requeridos cerca de 30 g de cálcio extra até o final da gravidez, principalmente no último trimestre gestacional. Essa demanda extra é balanceada pelo organismo materno, com aumento da absorção intestinal do cálcio e maior retenção renal, ao longo da gestação.

A recomendação de ingestão diária desse mineral é de 1.000 mg para gestantes e lactantes adultas e de 1.300 mg para adolescentes.

As mulheres que cronicamente consomem quantidades insuficientes de cálcio (<500mg/dia) podem estar sob risco de aumento de perda óssea durante a gestação.

Aquelas que começam a gravidez com ingestão adequada podem não precisar de cálcio adicional, mas as que o consomem em quantidade inadequada podem precisar de cálcio adicional para atender aos requisitos ósseos maternos e fetais.

O leite e os derivados lácteos constituem a maior fonte de cálcio na dieta. O leite contém cerca de 115 mg de cálcio/100 g, enquanto nos queijos há variação de 60 mg a 1.200 mg/100 g. O espinafre contém cerca de 170 mg/100 g, mas também ácido oxálico, que inibe a absorção de cálcio. Há outros alimentos ricos em cálcio, como vegetais verdes, repolho, brócolis, couve e mostarda, além de peixes que são comidos inteiros, tais como anchovas, sardinhas e salmões enlatados. Os produtos de soja também são boas fontes de cálcio, já que contêm cerca de 500 mg a 1.400 mg/100 g.

A suplementação de cálcio em alta dose por mulheres com baixa ingestão dietética desse mineral pode reduzir o risco de desenvolver hipertensão na gestação. A suplementação de cálcio não parece diminuir esse risco em mulheres saudáveis e nulíparas nas quais a ingestão dietética desse mineral é adequada. Embora possa haver benefício para a prevenção da pré-eclâmpsia em populações de alto risco, mais estudos são necessários, pois a informação se baseia em baixo número de mulheres e populações heterogêneas.

Em uma revisão sistemática de 2015, a suplementação de cálcio não reduziu o risco de parto prematuro espontâneo nem de baixo peso ao nascer.

7. O ferro é necessário para o desenvolvimento fetal e placentário

O ferro é um micronutriente imprescindível para a síntese da hemoglobina, o funcionamento de vários órgãos e a composição dos tecidos. Na gestação, seu aporte é necessário para a expansão da massa eritrocitária no sangue materno, bem como para a formação dos tecidos fetais e placentário. Ao longo da gravidez, a mulher necessita do acréscimo de 480 mg a 1.150 mg de ferro total. A necessidade diária desse mineral na gestação é de 27 mg.

Em nosso meio, a dieta normal fornece apenas cerca de 15 mg de ferro/dia, principalmente na forma de ferro não heme, de origem vegetal, que apresenta baixa absorção. O ferro heme, de fontes como a carne, é o que tem maior biodisponibilidade. Leite e derivados, chá (tanino) e chocolate são alimentos que dificultam a absorção de ferro. A vitamina C facilita a absorção do ferro não heme.

O status do ferro materno tem impacto direto nos depósitos de ferro do recémnascido. Portanto, é fundamental garantir a oferta desse micronutriente, por meio da alimentação ou da suplementação, durante toda a gravidez e também no puerpério.

Em diretriz publicada pela OMS, recomenda-se a suplementação de ferro para prevenir a anemia materna, na dose de 30 mg a 60 mg/dia de ferro elementar, durante toda a gestação.

A suplementação é mais bem aproveitada na segunda metade da gravidez, período em que aumenta a demanda, bem como a absorção do nutriente.

8. O crescimento fetal no terceiro trimestre é dependente da vitamina A

Os requisitos de vitamina A durante a gravidez são de 770 mcg/dia. Em alguns países em desenvolvimento, a deficiência de vitamina A é uma preocupação, pois está associada à xeroftalmia materna e cegueira noturna, anemia e suscetibilidade a infecção.

Nas populações sem deficiência dessa vitamina, acredita-se que os depósitos no fígado materno sejam suficientes para suprir essa demanda. A transferência ativa de vitamina A para o feto, através da placenta, compensa a ampla variação de doses maternas ingeridas.

Na gravidez, as mulheres são mais suscetíveis à deficiência da vitamina A no terceiro trimestre, já que a homeostasia está alterada para atender às demandas fetais.

Os níveis séricos de retinol sérico diminuem antes do esgotamento das reservas hepáticas, particularmente no terceiro trimestre, pois o crescimento fetal acelerado durante esse período é dependente da vitamina A adquirida a partir da circulação materna.

O aumento da ingestão materna de vitamina A no final da gravidez pode reduzir as complicações da insuficiência respiratória neonatal, particularmente se houver antecipação do parto. Os recém-nascidos prematuros têm baixas reservas de vitamina A no nascimento e correm maior risco de retinopatia, doença pulmonar e infecções respiratórias.

Devido aos potenciais efeitos teratogênicos da exposição ao excesso de vitamina A pré-formada no primeiro trimestre da gravidez, não se recomenda a suplementação em mulheres grávidas que não apresentam deficiência dessa vitamina. Na ausência de deficiência grave, as gestantes devem evitar suplementos multivitamínicos ou pré-natais que contenham mais de 5.000 UI (1.500 mcg) de vitamina A.

9. A vitamina D ajuda na absorção de cálcio

A vitamina D ajuda na absorção de cálcio a partir do intestino e permite a mineralização e o crescimento normal do osso. Durante a gravidez, a deficiência grave de vitamina D materna tem sido associada a evidências bioquímicas de homeostasia esquelética desordenada no recém-nascido, pois depende em grande parte do estado materno dessa vitamina.

A deficiência materna de vitamina D tem sido comumente descrita na gravidez, especialmente em gestantes de alto risco, inclusive obesas, vegetarianas, mulheres com exposição solar limitada e minorias étnicas, especialmente afrodescendentes. A concentração sérica de calcidiol – 25-hidroxivitamina D ou 25(OH)D – pode ser utilizada como indicador do estado nutricional de vitamina D. A recomendação atual é a ingestão diária de 600 UI para mulheres grávidas.

Embora faltem dados sobre a segurança de doses mais elevadas, os especialistas concordam que a vitamina D suplementar é segura em doses diárias de até 4.000 UI durante a gravidez ou a lactação.

Existem fontes limitadas de alimentos não processados de vitamina D, que também está presente em pequenas quantidades em peixes gordurosos e na gema de ovo.

10. A vitamina C tem papel antioxidante e auxilia na função imune

A vitamina C é antioxidante e hidrossolúvel, essencial ao funcionamento metabólico normal. Ela recupera oxidantes reativos em leucócitos ativados, nos pulmões e na mucosa gástrica, além de proteger contra a peroxidação lipídica. Níveis adequados dessa vitamina são importantes para a função imune.

A concentração materna de vitamina C plasmática diminui ao longo da gravidez como resultado da transferência ativa para o feto, bem como da hemodiluição. Enquanto houver quantidades apreciáveis de ácido ascórbico na circulação materna, o feto acumulará o nutriente a fim de atender a suas necessidades, independentemente dos requisitos maternos. Para compensar isso, o requisito aumentado calculado para a gravidez é de 10 mg a 15 mg/dia maior do que para as mulheres não grávidas. Para as gestantes com idade igual ou superior a 19 anos, a dose diária recomendada é de 85 mg.

A vitamina C está disponível em muitas frutas e vegetais, e suas principais fontes dietéticas são frutas cítricas, pimentões, feijão-verde, morango, mamão, goiaba, kiwi, brócolis e tomate.

A absorção intestinal de vitamina C ocorre por meio de um processo saturável e dependente da dose, de modo que o excesso da ingestão de suplementos em doses muito altas não é absorvido. O ácido ascórbico é absorvido e eficientemente metabolizado em doses de até 80 mg/dia, enquanto doses mais elevadas fazem com que a excreção renal aumente proporcionalmente.

Não existem evidências que embasem a suplementação rotineira de vitamina C de forma isolada ou em combinação com outros suplementos para prevenção da perda fetal ou neonatal, restrição de crescimento, parto prematuro ou préeclâmpsia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A dieta materna deve conter grande variedade de frutas e vegetais, bem como grãos integrais, produtos lácteos com baixo teor de gordura e proteínas. (Tabela 1) A quantidade exata de cada grupo de alimentos depende das condições basais individuais da gestante, de seu estado nutricional pré-gestacional, além do nível de atividade física, da idade e do trimestre gestacional.6 É importante que as mulheres grávidas escolham alimentos com densidade nutricional que atendam aos maiores requisitos de nutrientes sem exceder as necessidades calóricas. Uma dieta adequada e equilibrada é importante para o restabelecimento dos estoques maternos gastos durante a gravidez, a fim de promover a perda de excesso de peso e garantir a amamentação saudável.

Tabela 1. Principais fontes de vitaminas e minerais importantes para a gravidez

  • Ácido fólico: Espinafre, laranja, nozes, cereais integrais, lentilha, ovo
  • Ferro: Fígado, carnes, leguminosas, vegetais verde-escuros
  • Vitamina C: Frutas cítricas (limão, laranja, goiaba, caju, acerola, kiwi, morango)
  • Zinco: Leguminosas, carnes em geral
  • Cálcio: Leite e derivados, gergelim
  • Vitamina D: Peixes, óleo de fígado de bacalhau, ovo
  • DHA: Sardinha, atum, salmão, anchova

Profa. Dra. Roseli Nomura – CRM 59.590-SP

Professora adjunta da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp); professora-associada livre-docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP); presidente da Comissão Nacional do TEGO da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

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