Estudo do Ilas aponta dificuldade da rede SUS em reduzir indicadores
A redução dos indicadores de letalidade e de internação pela ocorrência de sepse, no Brasil, enfrenta um obstáculo: a dificuldade dos hospitais – principalmente públicos − em adotar medidas que reduzam a incidência da doença. No País, dados recentes, informam que 30% dos leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) estão ocupados por pacientes com este quadro, sendo que a taxa de letalidade fica em 55,7%.
A conclusão é do Instituto Latino Americano da Sepse (Ilas), que realizou um estudo inédito − ao longo de 10 anos − produzido a partir da avaliação de respostas de instituições participantes voluntárias de programas e protocolos de combate e prevenção à sepse. Foram monitorados 65 hospitais e centros de saúde em diferentes estados, entre 2005 e 2014, e acompanhados 21 mil pacientes.
Nos serviços privados, a mortalidade por sepse caiu de 48% para 26%. Nos hospitais ligados ao Sistema Único de Saúde (SUS), a variação passou de 61,3% para 56-58%. Em pacientes que foram atendidos nos serviços de urgência e emergência, na rede privada, a incidência da sepse baixou de 38% para 20% após a adoção dos protocolos; nas unidades públicas ele se manteve em 50-57%.
Entre as possíveis causas para a manutenção de índices altos na rede pública, a vice-presidente do Ilas, a intensivista Flávia Machado, aponta demora no diagnóstico da sepse e fragilidades em termos de infraestrutura (falta de leitos, instalações inadequadas, ausência de equipamentos e insumos) e de recursos humanos número insuficiente de médicos, enfermeiros e de outros profissionais de saúde). “Não podemos afirmar que essas sejam as causas exclusivas, são conjecturas nossas, mas os índices não diminuíram nos hospitais públicos, que demoram mais a iniciar o tratamento” afirma.
Os dados também mostram que, enquanto nos hospitais públicos são necessárias em média 2,5 horas – variando de 50 minutos a mais de 10 horas – para se reconhecer a gravidade num paciente com sepse, nas instituições privadas esse tempo foi em média 30 minutos, variando de menos de 10 minutos até 1,5 horas. No caso específico de quem adquire uma sepse quando já está em unidades de internação regulares (enfermarias), a demora é em média de 3,5 horas, variando entre uma e 14 horas nos hospitais públicos e de 5 minutos e 2 horas nos particulares.
Febre alta, enjoos, vômitos, taquicardia, instabilidade da pressão arterial, convulsões, hipoglicemia, tonteiras, falta de ar, diminuição da quantidade de urina. Esses são alguns dos sintomas da sepse, comumente conhecida como infecção generalizada.
Recomendação do CFM foca no problema
Com o objetivo de diminuir a ocorrência da sepse nas instituições brasileiras de saúde, o Conselho Federal de Medicina (CFM) editou em abril a Recomendação nº 6/2014, que orienta as unidades básicas de saúde e unidades de terapia intensiva a estabelecerem protocolos assistenciais visando o reconhecimento precoce e a pronta instituição das medidas iniciais de tratamento aos pacientes com indícios da doença.
A Recomendação sugere ainda a capacitação dos médicos para o enfrentamento deste problema e ressalta que “qualquer processo infeccioso pode evoluir para gravidade, caracterizando o quadro de sepse, sepse grave ou choque séptico” e que a sepse é a principal causa de internação em unidades de terapia intensiva, com custos elevados de tratamento e alta mortalidade – matando uma em cada quatro pessoas (frequentemente mais).
Para o 1º secretário do CFM, o intensivista Hermann Tiesenhausen, o diagnóstico precoce, com o reconhecimento dos sinais de alerta, o tratamento em menor espaço de tempo e a infraestrutura adequada para a tomada de medidas efetivas são essenciais para o sucesso no tratamento da sepse. “Infelizmente, as condições das unidades de urgência e emergência e a falta de leitos de retaguarda contribuem para o aumento da mortalidade por sepse”.
Além da Recomendação, encaminhada aos médicos e às autoridades, o CFM e o Ilas publicaram, em conjunto, o livro Sepse: um problema de saúde pública, que traz importantes informações sobre o tema. O volume, que foi encaminhado para bibliotecas médicas e entidades de classe, está disponível na plataforma de publicações do CFM, no endereço: http://goo.gl/uRIWxt
Em UTIs, 30% dos pacientes são vítimas de sepse
O Ilas também concluiu recentemente outro estudo que ajuda a dar a dimensão do problema no Brasil. O trabalho, denominado SPREAD (Sepsis Prevalence Assessment Database), consistiu na avaliação, em um único dia, de 229 UTI em vários estados, abrangendo 794 pacientes. Foi constatado que 29,6% dos leitos estavam ocupados por doentes com sepse grave ou com choque séptico. Desses pacientes, 55,7% morreram.
A mortalidade na região Sudeste foi de 51,2%; no Centro-Oeste, 70%; Nordeste, 58.3%; Sul, 57,8% e Norte, 57,4%. O índice de letalidade está muito acima do registrado em outros países. São fatores ligados ao aumento da mortalidade a limitação de recursos básicos, a gravidade do paciente, e a demora na administração da primeira dose de antibióticos.
Diagnóstico – Como os sintomas da sepse são comuns a outras doenças, o diagnóstico pode ser dificultado e, consequentemente, a aplicação do antibiótico e a possível cura podem demorar. “Como os sintomas são inespecíficos, é difícil identificar os sinais de alerta e tratar a infecção no tempo certo, por isso é tão necessária a participação em cursos e a adesão dos hospitais aos protocolos”, afirma Flávia Machado.
Mesmo com o avanço farmacológico, a incidência da sepse continua alta, pois a tendência é de aumento da população suscetível, como idosos, pacientes imunodeprimidos e portadores de doenças crônicas. O crescimento da resistência bacteriana também é um problema.
Era comum que a maior parte dos pacientes com sepse morresse. Hoje, principalmente nos bons hospitais, é possível vencer a doença. Em 2012, a anestesiologista Cláudia Lutke achou que seu pai, então com 86 anos, não resistiria a um processo de sepse. “Preveni meus familiares de que o cenário era ruim. Tinha sido intensivista, mas não atuava na área há 15 anos e desconhecia os avanços alcançados no tratamento. Para mim, sair de um quadro séptico era tão improvável quanto acertar sozinha na mega sena! Mas a essência do intensivismo aplicado à beira do leito fez com que no dia seguinte meu pai melhorasse e dez dias depois tivesse alta hospitalar. Hoje sei que sepse não é mais ‘o princípio do fim’ ou pelo menos não deve ser”.
Fonte: JORNAL MEDICINA – maio 2015 – CFM