As gestantes que lidam com o público devem ser afastadas de suas atividades durante a pandemia?

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Gestante trabalhando

Para que cada associado consiga avaliar cada caso concreto em relação a essa pergunta, são necessárias algumas importantes colocações. O mundo enfrenta uma pandemia ocasionada pelo coronavírus (COVID-19), declarada, em 11 de março de 2020, pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e reconhecida no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 6 (2020)(1) e pela Lei nº 13.979 (2020).(2) Ademais, a Lei nº 13.467/2017 alterou o artigo 394-A da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), na seção de proteção à maternidade em relação à insalubridade.(3) Alguns trechos, que admitiam a possibilidade de trabalhadoras grávidas e lactantes desempenharem atividades insalubres em algumas hipóteses, foram revogados pela ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade, no STF) nº 5.938(4) (2019), e a redação atual é a seguinte:

“Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de: I – atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação; II – atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, durante a gestação; III – atividades consideradas insalubres em qualquer grau durante a lactação. § 1º (VETADO) § 2º Cabe à empresa pagar o adicional de insalubridade à gestante ou à lactante, efetivando-se a compensação, observado o disposto no art. 248 da Constituição Federal, por ocasião do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço. § 3º Quando não for possível que a gestante ou a lactante afastada nos termos do caput deste artigo exerça suas atividades em local salubre na empresa, a hipótese será considerada como gravidez de risco e ensejará a percepção de salário-maternidade (…)”.(3)

São consideradas insalubres as atividades que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, expõem a empregada a agentes nocivos à saúde. A previsão da insalubridade encontra-se na Norma Regulamentadora (NR) nº 15 da Portaria MTB nº 3.214 (1978).(5) Além desses casos previstos, pode haver trabalhadoras de outros setores, ou que exerçam outras funções, e que tenham direito à insalubridade e consequentemente ao afastamento do trabalho na gestação e lactação. Muitas vezes, a insalubridade não é reconhecida automaticamente, sendo necessário acionar a Justiça do Trabalho para que se tenha esse direito garantido.

É importante ressaltar que a lei menciona o afastamento das atividades insalubres, o que seria equivalente a uma reabilitação temporária da empregada. Além disso, o referido artigo da CLT não resulta em extensão da estabilidade, sendo certo que, ao fim do período de estabilidade pós-gestação, não há impedimentos para a dispensa da empregada, se não houver função compatível com sua situação na estrutura do empregador.

A Lei nº 14.020,(6) de 06/07/2020 (conversão da Medida Provisória nº 936), instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que permite, durante o período de calamidade, a redução proporcional de jornada de trabalho e de salário e a suspensão temporária do contrato de trabalho. Essas medidas também podem ser aplicadas à empregada gestante ou lactante, não havendo proteção expressa na lei.(7) Porém, a partir do momento em que ela passar a usufruir do salário- -maternidade, a medida adotada é interrompida e ela receberá o valor do benefício sem nenhuma redução e faz jus ao Benefício Emergencial nesses casos.

Todas as trabalhadoras gestantes ou lactantes que, dentro ou fora do contexto da pandemia, tiverem contato com agentes insalubres terão o direito garantido de permanecerem afastadas das atividades de risco durante a gestação e a amamentação.

No contexto da pandemia pelo novo coronavírus, o Ministério da Saúde, na Portaria nº 428,(8) de 19/03/2020, preceitua que:

“Art. 2º. Deverão executar suas atividades remotamente os servidores e empregados públicos: I – enquanto perdurar o estado de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (COVID-19): a) com sessenta anos ou mais; b) imunodeficientes; c) com doenças preexistentes crônicas ou graves, como cardiovasculares, respiratórias e metabólicas; e d) gestantes e lactantes.”

Na sua recomendação nº 039,(9) de 12/05/2020, o Conselho Nacional de Saúde recomenda a governadores e prefeitos que criem, por meio de decretos, medidas emergenciais de proteção à mulher trabalhadora, incluindo mulheres com deficiência, especialmente do setor saúde, que garantam o acesso a condições adequadas de trabalho (fornecimento de equipamentos de proteção individual, locais adequados para descanso intrajornada, manutenção dos intervalos interjornada e intrajornada, alimentação adequada etc.); exames periódicos e emergenciais, bem como testagem para COVID-19; afastamento das trabalhadoras sintomáticas para síndrome gripal ou pertencentes a grupos vulneráveis (doenças crônicas, pessoas acima de 60 anos), gestantes, lactantes com garantia de pagamento integral de remuneração; flexibilização de jornada de trabalho para mães de escolares; pagamento do adicional de insalubridade em grau máximo (40%) sobre o salário-base da trabalhadora que estiver envolvida no enfrentamento da pandemia de coronavírus. A autonomia para a efetivação dessas recomendações cabe a cada chefe do Executivo.(10,11)

Especificamente nos serviços de saúde, o Ministério da Saúde recomenda expressamente que trabalhadoras gestantes ou lactantes não devem ser inseridas no atendimento e assistência a casos suspeitos ou confirmados. Devem ser realocadas de função, em atividades de gestão ou apoio, de forma a minimizar a chance de contato com pessoas ou ambientes contaminados, preferencialmente em trabalho remoto (por exemplo: teleatendimento).

Apesar de a maioria das publicações não demonstrar diferenças nas taxas de infecção e na evolução da infecção pelo novo coronavírus nas gestantes em relação à população geral,(12) os dados brasileiros divulgados em agosto pelo Ministério da Saúde apontaram as gestantes com risco 1,5 maior de internação em UTI com necessidade de ventilação mecânica em relação ao restante da população. O Ministério da Saúde considera gestantes e lactantes oficialmente como pertencentes ao grupo de risco, objetivando a sua proteção, de acordo com a Portaria nº 54,(13) de 01/04/2020.

Na Nota Técnica nº 07/2020, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa),(14) revisada em 05/08/2020, há a previsão do tempo de isolamento dos casos confirmados, de acordo com critérios clínicos e laboratoriais, variando de 10 a 20 dias a partir do PCR positivo, e nos casos sintomáticos, associado a 24 horas sem febre e com melhora dos sintomas. Os afastamentos devem seguir as Portarias nº 356 (2020)(15) e nº 454 (2020)(16) do Ministério da Saúde, com os respectivos modelos de atestados e declarações.

Encontra-se ainda em tramitação o Projeto de Lei nº 3.932/20, que propõe tornar obrigatório o afastamento de gestantes do trabalho presencial durante a pandemia, deixando-as disponíveis apenas para trabalho remoto. O texto foi recentemente (26/08/2020) aprovado na Câmara dos Deputados e irá para análise no Senado (https://www.camara.leg.br/noticias/687826-camara-aprova-afastamento-de-gestantes-do-trabalho-presencial-durante-a-pandemia).

Assim, no intuito de proteção ao binômio mãe-feto e à amamentação, em consonância com as normas vigentes, depreende-se que, em relação ao trabalho durante a gestação e lactação:(17,18)

1. Deve haver afastamento das atividades insalubres (Art. 394-A da CLT);(3)

2. Devem executar suas atividades remotamente as servidoras e empregadas públicas enquanto perdurar o estado de emergência de saúde pública pela COVID-19 (Art. 2º, I, Portaria nº 428/2020, MS);(8)

3. Recomendam-se todas as medidas possíveis e aplicáveis para prevenção, cautela e redução da transmissibilidade nos demais casos, com respeito às normas e fases locais da pandemia e às melhores alternativas para empregado e empregador;

4. São consideradas do grupo de risco pelo Ministério da Saúde (Portaria nº 54, de 01/04/2020);(9)

5. São aplicáveis todas as medidas do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, a saber: o pagamento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda; a redução proporcional de jornada de trabalho e de salário; e a suspensão temporária do contrato de trabalho (Lei nº 14.020, 2020);(6)

6. Nos casos de gestantes/lactantes que apresentem suspeita ou confirmação de infecção por COVID-19, bem como nos casos de contatos com casos suspeitos ou confirmados, os períodos de afastamento e isolamento devem seguir as regras vigentes do Ministério da Saúde e da Anvisa. As normas trabalhistas são dinâmicas e importantíssimas para o exercício profissional, nos âmbitos de empreendedor, empregado e prática assistencial de todo ginecologista e obstetra. A Febrasgo permanecerá atenta em busca de propiciar informações relevantes e atualizadas para nossos associados.

REFERÊNCIAS

1. Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020. Reconhece, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020. 2020 [cited 2020 Aug 17]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/DLG6-2020.htm

2. Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Diário Oficial da União [Internet]. 2020 Feb 07 [cited 2020 Jul 20];Seção 1:1. Available from: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lein-13.979-de-6-de-fevereiro-de-2020-242078735 3. Amaro RDS. Lei nº 13.287/16 e a inclusão do artigo 394-A na CLT – afastamento de gestantes e lactantes de atividades insalubres [Internet]. 2017 [cited 2020 Aug 17]. Available from: https://migalhas.uol.com.br/depeso/254335/lei-13287-16-e-a-inclusao-do-artigo394-a-na-clt-afastamento-de-gestantes-e-lactantes-de-atividadesinsalubres

4. Supremo Tribunal Federal. STF invalida norma da Reforma Trabalhista que permitia trabalho de grávidas e lactantes em atividades insalubres [Internet]. 2019 [cited 2020 Aug 17]. Available from: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=412571

5. Ministério do Trabalho. NR nº 15, de 8 de junho de 1978. Dispõe sobre as atividades e operações insalubres. [Internet]. 1978 [cited 2020 Jul 20]. Available from: http://www.ccb.usp.br/arquivos/arqpessoal/1360237303_nr15atualizada2011ii.pdf

6. Lei nº 14.020, de 6 de julho de 2020. Institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda; dispõe sobre medidas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020; altera as Leis nºs 8.213, de 24 de julho de 1991, 10.101, de 19 de dezembro de 2000, 12.546, de 14 de dezembro de 2011, 10.865, de 30 de abril de 2004, e 8.177, de 1º de março de 1991; e dá outras providências [Internet]. 2020 [cited 2020 Aug 17]. Available from: http://planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Lei/L14020.htm

7. Mascaro M. O que muda nos direitos trabalhistas das gestantes durante a pandemia? Exame.com. 2020 Aug 06 [cited 2020 May 12]. Available from: https://exame.com/carreira/o-que-muda-nos-direitos-trabalhistas-das-gestantes-durante-a-pandemia/

8. Ministério da Saúde. Portaria nº 428, de 19 de março de 2020. Dispõe sobre as medidas de proteção para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (COVID-19) no âmbito das unidades do Ministério da Saúde no Distrito Federal e nos Estados [Internet]. 2020 [cited 2020 May 25]. Available from: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-428-de-19-de-marco-de-2020-249027772

9. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Recomendação nº 039, de 12 de maio de 2020. Recomenda aos Governadores Estaduais e Prefeitos Municipais o estabelecimento de medidas emergenciais de proteção social e garantia dos direitos das mulheres [Internet]. 2020 [cited 2020 Aug 10]. Available from: http://conselho.saude.gov.br/ recomendacoes-cns/1169-recomendacao-n-039-de-12-de-maio-de-2020

10. Gestantes serão testadas para COVID-19, garante Ministério da Saúde. Agência Câmara de Notícias [Internet]. 2020 Aug 05 [cited 2020 Aug 17]. Available from: https://www.camara.leg.br/noticias/682399-gestantesserao-testadas-para-covid-19-garante-ministerio-da-saude/ 11. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Recomendações de proteção aos trabalhadores dos serviços de saúde no atendimento de COVID-19 e outras síndromes gripais [Internet]. Brasília (DF): COE/SVS/MS; 2020 [cited 2020 Aug 17]. Available from: http://conselho.saude.gov.br/recomendacoes-cns/1169-recomendacao-n-039-de-12-de-maio-de-2020

12. Berghella V. Coronavirus disease 2019 (COVID-19): pregnancy issues [Internet]. 2020 [cited 2020 Aug 17]. Available from: https://www.uptodate.com/contents/coronavirus-disease-2019-covid-19-pregnancy-issues

13. Ministério da Cidadania. Secretaria Especial do Desenvolvimento Social. Secretaria Nacional de Assistência Social. Portaria nº 54, de 1º de abril de 2020. Diário Oficial da União [Internet]. 2020 Apr 02 [cited 2020 Aug 17];Seção 1:6. Available from: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-54-de-1-de-abril-de-2020-250849730

14. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Nota Técnica GVIMS/GGTES/Anvisa nº 07/2020. Orientações para prevenção e vigilância epidemiológica das infecções por SARS-CoV-2 (COVID-19) dentro dos serviços de saúde (complementar à Nota Técnica GVIMS/ GGTES/Anvisa nº 04/2020 [Internet]. 2020 [cited 2020 Aug 17]. Available from: https://www20.anvisa.gov.br/segurancadopaciente/index.php/alertas/item/nota-tecnica-gvims-ggtes-anvisa-n-07-2020

15. Ministério da Saúde. Portaria nº 356, de 11 de março de 2020. Dispõe sobre a regulamentação e operacionalização do disposto na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que estabelece as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (COVID-19). Diário Oficial da União [Internet]. 2020 Mar 12 [cited 2020 Aug 17];Seção 1:185. Available from: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-356-de-11-de-marco-de-2020-247538346

16. Ministério da Saúde. Portaria nº 454, de 20 de março de 2020. Declara, em todo o território nacional, o estado de transmissão comunitária do coronavírus (COVID-19). Diário Oficial da União. 2020 Mar 20 [cited 2020 Aug 17];Seção 1:1. Available from: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-454-de-20-de-marco-de-2020-249091587

17. Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro. Guia de orientação para gestantes e puérperas sobre o Novo Coronavírus [Internet]. 2020 [cited 2020 Aug 17]. Available from: https://saude.rj.gov.br/comum/code/MostrarArquivo.php?C=MzEyMjk%2C

18. Associação de Obstetrícia e Ginecologia de São Paulo (Sogesp). Afastamento de gestante durante a pandemia do Novo Coronavírus (SARS-COV-2): Coronavirus [Internet]. 2020 [cited 2020 Aug 17]. Available from: https://www.sogesp.com.br/noticias/afastamento-de-gestantedurante-a-pandemia-do-novo-coronavirus-sars-cov-2/

Lia Cruz Vaz da Costa Damásio1, Maria Celeste Osório Wender2 1.Membro associado à Febrasgo. 2.Diretora de Defesa e Valorização Profissional da Febrasgo.

Fonte: Revista Femina – Setembro 2020

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