Alegando diminuição de custos, Ministério da Saúde pensa em retirar o pediatra da sala de parto, aumentando brutalmente o risco para bebês e mães
O governo federal estuda a possibilidade de estabelecer uma nova diretriz para o Sistema Único de Saúde (SUS) que dispensa a presença de pediatra na sala de parto. A medida é um absurdo!
Entidades médicas entendem que a equipe tem que ter um pediatra, normalmente um neonatologista, para receber o bebê. Os primeiros quatro minutos podem resultar na morte ou gerar retardo mental de uma criança para o resto da vida.
– O rombo das finanças após os desvios da Petrobras e outros malfeitos do governo Dilma Rousseff não podem ser cobertos à custa do sofrimento de mães que precisam do SUS- afirma o presidente do Sindicato Médico, Paulo de Argollo Mendes.
A medida é um enorme retrocesso e tem por objetivo revogar a Portaria 371, de maio de 2014, que determina a presença de um profissional adequadamente treinado em reanimação neonatal, como pediatra, neonatologista, enfermeiro obstetra ou enfermeiro neonatal, e define todos os equipamentos necessários em sala de parto, com base nas melhores evidências mundiais.
A ideia do Ministério da Saúde é determinar a presença de profissionais preparados para receber o bebê na sala de parto apenas em cesarianas feitas com uso de anestesia geral ou se houver evidência de sofrimento fetal.
Entenda o caso
Segundo dados oficiais (Datasus), o Brasil tem 3 milhões de nascidos vivos por ano. A maioria nasce muito bem, inclusive quando em ônibus ou camburão da polícia. A questão é que 10% (média internacional) necessitam de assistência para iniciar a respiração nos primeiros minutos de vida, ou seja, 300 mil recém-nascidos por ano correm algum risco. Deste universo, 90% ficam muito bem quando a ventilação é estabelecida no primeiro minuto de vida. A técnica visa a estabelecer a transição da vida fetal para a vida extrauterina. Respirar bem é chave para que o coração funcione adequadamente e o cérebro e rim sejam preservados.
Na situação de parto normal e cesariana eletiva, sem fator de risco, é difícil antecipar a possibilidade do bebê não nascer bem. Quando acontece, se não for estabelecida a ventilação adequada no primeiro minuto de vida, o risco de sequela e de morte é muito grande e aumenta 16% a cada 60 segundos.
Hoje, o Brasil tem 13 recém-nascidos mortos por dia por causas relacionadas à asfixia perinatal. Sem pediatra na sala de parto, quanto este número pode aumentar?
A malfadada medida, que ignora a literatura médica e arrisca a vida de mães e bebês, esteve em consulta pública até final de maio. Uma irresponsabilidade, cuja justificativa só pode ser a redução de custo.
– É justo diminuir os custos dos procedimentos, mas não colocando em risco a saúde dos pacientes – argumenta o diretor da Associação Médica Brasileira, José Bonamigo.
A Associação Médica Brasileira, a Sociedade Brasileira de Pediatria e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia enviaram ofício para o Ministério da Saúde repudiando a proposta.
O pediatra Marcelo Porto, vice-presidente da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul e coordenador estadual do Programa de Reanimação Neonatal da Sociedade Brasileira de Pediatria, também está indignado.
Próximos passos
As contribuições recebidas por meio das consultas públicas são organizadas e inseridas em relatórios técnicos para análise dos membros do plenário da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). Após discutir sobre tais contribuições, os membros do plenário emitem a recomendação final sobre a tecnologia avaliada. O relatório técnico com a recomendação é, então, encaminhado à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (SCTIE), que decide se a tecnologia será incorporada ou não ao SUS.
Até o momento, não foi publicada decisão sobre a incorporação ou não incorporação da proposta Diretrizes de Atenção à Gestante: a operação cesariana ao SUS.
– É absolutamente incompreensível. Um retrocesso, que coloca a população em extremo risco. Tenho a sensação de que o Ministério da Saúde está brincando. Mas não se brinca com situação de risco. Não podemos aceitar esta medida – diz.
E não se trata de reserva de mercado para médicos pediatras. O Programa de Reanimação Neonatal aceita e treina outros profissionais da área de saúde para atuar nas salas de parto, conforme explicitado na Portaria 371, em vigor.
– Este governo tem colocado o médico como inimigo da população. É um erro, o médico é defensor da saúde e da população. Esperamos que o Ministério da Saúde desista de mais esta maluquice – completa Porto, revoltado.
Fonte: VOX Medica – agosto 2015