ROSIANE MAHAR/MARIA REGINA TORLONI/ANA PILAR BETRAN/MARIO MERIALDI
O Problema
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), sobrepeso e obesidade são definidos como acumulo anormal ou excessivo de tecido adiposo que pode levar a prejuízos para a saúde. A gestação pode atuar como desencadeante da obesidade, ou como agravante, quando aquela for pré-existente.
A obesidade é um grave problema de Saúde Pública. Sua prevalência vem aumentando sistematicamente ao longo das últimas décadas, tanto em países desenvolvidos como em boa parte dos países em desenvolvimento. A situação mundial atual é tão grave que, no século 21, se fala em uma epidemia global de obesidade – a chamada “globesidade” – que afetaria cinco dos seis continentes, poupando apenas a Africa Subsaariana. Segundo as últimas projeções da OMS, em 2005, existiriam pelo menos 400 milhões de adultos obesos em todo o mundo – um aumento de mais de 50% em relação aos números de 1995; mais de um terço dessas pessoas habitam países em desenvolvimento. Para facilitar a comparação da prevalência da obesidade entre diversos países, em 1996, a OMS criou uma base de dados sobre o índice de massa corpórea (IMC) de adultos de quase todos os países do mundo (por gênero e segundo faixa etária), que é atualizada periodicamente. Ainda segundo a OMS, a obesidade seria hoje um dos maiores e mais visíveis, porém mais negligenciados, problemas de Saúde Publica em todo o mundo.
A epidemia de obesidade deve o seu grande avanço a uma serie de fatores. Apesar de a predisposição genética ter papel relevante na suscetibilidade individual para se ganhar peso, o equilíbrio energético é basicamente resultante da ingestão calórica e da atividade física. Aliado aos avanços dos meios de transporte e da disponibilidade de equipamentos que facilitam o desempenho de quase todas as atividades da vida diária, nunca o acesso a comida foi tão fácil, e os alimentos ricos em gordura e açúcar são geralmente os mais baratos. Portanto, os confortos da sociedade moderna criaram um ambiente “obesogênico”.
Em 1994, Popkin chamou a atenção para o problema da “transição nutricional” dos países em desenvolvimento. Segundo esse autor, a troca de hábitos nutricionais tradicionais (baseados em grãos, fibras e frutas) por uma dieta ocidentalizada (rica em gordura saturada, alimentos refinados e açúcar) e um estilo de vida sedentário, além do aumento dos níveis de stress comuns ao meio urbano, resultariam em aumento das taxas de obesidade e doenças crônicas/degenerativas.
Como parte natural da epidemia mundial de obesidade, o número de mulheres em idade reprodutiva com sobrepeso também vem aumentando em todo o mundo – e o Brasil não é exceção. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que o excesso de peso e a obesidade entre as mulheres cresceram 50% nos últimos 30 anos, sendo que, atualmente, mais da metade (51,9%) das brasileiras entre 20 e 44 anos estão com um IMC acima de 25. Contrariamente ao que muitos acreditam, a prevalência de obesidade é maior entre as mulheres brasileiras de baixa renda do que nas classes sociais mais favorecidas. Esse fenômeno não é exclusividade do Brasil e repete-se em quase todos os países em desenvolvimento com renda média intermediária.
Repercussões da obesidade sobre a concepção e a fertilidade
Diversos estudos indicam que as obesas tem maior prevalência de amenorréia e infertilidade, sendo que 35 a 40% das mulheres com síndrome dos ovários policísticos são obesas. A obesidade também reduziria as chances de sucesso dos tratamentos para esterilidade e aumentaria a probabilidade de abortamento espontâneo.
Repercussões maternas da obesidade
Não existe um consenso quanto a definição de obesidade na gestação. Enquanto muitos autores utilizam como parâmetro o IMC (kg/m²) pré-gravídico ou no primeiro trimestre >30, outros utilizam o peso corporal da gestante superior a 150% do peso ideal. Independente da definição, muitos estudos têm apontado que mulheres que iniciam a gravidez com IMC acima do normal (20 a 24,9) têm riscos mais elevados para diversas complicações. Por exemplo, segundo uma revisão sistemática, o risco de pré-eclampsia dobra a cada aumento de 5 a 7 kg/m², o que equivale a um aumento no risco de 0,54% (IC95% =0,27-0,80) para cada 1 kg/m² de aumento do IMC. Essa relação se manteve mesmo nos estudos dos quais foram excluídas as mulheres com hipertensão crônica, diabetes ou gestação gemelar e após ajuste para possíveis fatores de confusão; da mesma forma, quanta maior o IMC materno inicial, maior o risco de diabetes gestacional (DG). Segundo uma recente revisão sistemática que incluiu 70 estudos publicados nos últimos 40 anos, aquelas com sobrepeso (IMC=25-29,9), quando comparadas às mulheres com IMC normal, teriam uma Odds
Ratio (OR) para DG de 1,97 (IC95%=1,77-2,19). Já mulheres com obesidade moderada (IMC= 30-34,9) ou mórbida (IMC> 34,9) teriam OR de 3,10 (IC95% =2,34-3,87) e 5,55 (IC95% =4,27 -7,21), respectivamente. Para cada aumento de 1 kg/m², a prevalência de DG aumentaria 0,92% (IC95%=0,73-1,10). As gestantes obesas também apresentam maior probabilidade de terem infeções urinárias e do trato genital inferior. O sobrepeso materno aumenta ainda os riscos de parto induzido, cesarianas,21hl, hemorragia maciça pós-parto e infecção puerperal.
Comparadas às mulheres de peso normal, as obesas tem maior risco de morte não apenas na vida adulta, mas também no ciclo gravídico-puerperal, mesmo em países desenvolvidos. Segundo os dados mais recentes do relatório confidencial sobre saúde materna e infantil do Reino Unido, 35% de todos os casos de morte materna eram de mulheres obesas, comparado com 23% da população materna geral – um aumento dramático, se comparado aos 16% de obesidade no relatório de mortalidade de 1993.
Repercussões da obesidade sobre o concepto
Os fetos são vítimas inocentes de diversos fatores ambientais adversos, entre eles os hábitos insalubres de suas mães. Enquanto os possíveis efeitos adversos do uso do álcool, fumo e drogas na gravidez são amplamente divulgados e conhecidos pela maioria dos médicos e leigos em geral, os riscos fetais decorrentes da obesidade materna são praticamente desconhecidos do grande público e também de muitos tocoginecologistas.
O excesso de tecido adiposo materno afetaria o concepto desde sua fase embrionária até o parto. A taxa de malformações fetais é maior em mulheres obesas do que naquelas com peso normal. O excesso de tecido adiposo parece interferir no metabolismo dos folatos, o que explicaria a maior incidência de defeitos do tubo neural entre as obesas, mesmo naquelas que recebem suplementarão de ácido fólio nas doses recomendadas. O risco de óbito fetal é também significativamente maior entre as mulheres com peso acima da media, por motivos ainda desconhecidos. A macrossomia fetal é mais freqüente entre as obesas, independente da associação com diabetes.
As obesas tem maior probabilidade de terem filhos obesos, especialmente se elas tiverem também DG ou síndrome metabólica antes de iniciarem a gestação ou se houver ganho ponderal excessivo durante a gestação. O excesso de tecido adiposo materno parece ainda ser capaz de comprometer a programação metabólica fetal, predispondo os filhos de mulheres obesas a serem futuros obesos e diabéticos, perpetuando o ciclo da obesidade.