A prática de exercícios físicos é recomendada durante a gravidez, caso não existam complicações obstétricas.Entre seus benefícios, destaca-sea prevenção de diabetes gestacional contudo, é fundamental adequar a atividade ao período gestacional, evitando movimentos na posição em decúbito dorsal no segundo e no terceiro trimestres,por exemplo.
Suellen Maurin Feitosa, fisioterapeuta especialista em saúde da mulher, doutora em Ciências da Saúde pela UNIFESP, falou à Revista SOGESP a respeito da importância de sua especialidade no acompanhamento da gravidez.
A atuação da fisioterapia na gravidez é relativamente recente. Como o profissional pode participar ao longo da gestação?
A gravidez é um período em que ocorrem intensas modificações fisiológicas no corpo, fundamentais para o suprimento das necessidades metabólicas do feto e dos tecidos maternos. As alterações frequentemente desencadeiam desconfortos e disfunções que podem ser prevenidos ou aliviados pela fisioterapia. As articulações e os músculos passam por adaptações para compensar o crescimento do abdome e manter a postura da grávida; ligamentos e músculos ficam mais relaxados devido à ação de hormônios específicos dessa fase, deixando as articulações mais desprotegidas; e o crescimento do abdome causa o aumento das curvaturas da coluna e enfraquecimento dos músculos abdominais. Esse conjunto de mudanças poderá causar desconfortos durante a gestação, principalmente dor na região lombar e articulações. Para minimizar os sintomas, a fisioterapia trabalha por meio de orientação postural para atividades do dia a dia; exercícios de alongamento, fortalecimento para a pelve e músculos da coluna e indicação de compressas quentes.
Um dos hormônios da gestação, a progesterona, causa o relaxamento da parede dos vasos sanguíneos – além disso, a mulher tem o volume sanguíneo aumentado. O útero, em crescimento, comprime veias e vasos, o que prejudica a circulação dos líquidos do corpo e pode gerar o edema. A gestante corre o risco de ficar inchada, principalmente pés, pernas e mãos. A drenagem linfática e exercícios circulatórios podem ajudá-Ia a se sentir bem e reduzir o inchaço.. Porém, devem ser feitos por profissional especialista em saúde da mulher para não prejudicar mãe e bebê.
O crescimento progressivo do útero também comprime a bexiga, o que pode levar à perda de urina. Não somente, o peso do abdome sobrecarrega os músculos do assoalho pélvico, contribuindo para a incontinência urinária durante e após a gestação. Os exercícios de fortalecimento do assoalho pélvico são recomendados para evitar esse distúrbio – àquelas que desejam o parto normal são combinadas flexibilidade e massagem perineal. Juntas, ajudam a reduzir traumas dos músculos perineais e necessidade de episiotomia no momento do parto.
O que pode ser feito para as queixas álgicas mais comuns, como dores lombares, cervicais e no punho? E na Síndrome do Túnel do Carpo?
O conjunto de mudanças acarretadas pelas adaptações musculares e articulares para compensar o crescimento do abdome, manter a postura da mulher e o relaxamento dos músculos decorrentes das ações de hormônios específicos geram desconfortos durante a gestação, principalmente com dor na região lombar da coluna e articulações.
Em relação às dores lombares e cervicais, exercícios de alongamento e fortalecimento são indicados para a redução de dor. Assim como reeducação postural e trabalho de consciência corporal da gestante, principalmente aquelas que não praticavam nenhuma atividade física anteriormente, com massagem e exercícios de respiração e relaxamento.
As posturas adotadas durante as atividades do dia a dia devem ser adaptadas para o crescimento do abdome não levar a compensações posturais e tensões musculares dolorosas. Por exemplo, para dormir a gestante deve permanecer de lado, de preferência do lado esquerdo, com um travesseiro apoiando a cabeça, braço e abdome. Embaixo do abdome, mais precisamente, caso sinta-se melhor, e entre as pernas, para não ter sobrecarga nos músculos da coluna lombar e piriforme. a Síndrome do Túnel do Carpo, que acontece em decorrência do edema com compressão do nervo mediano e dos tendões que flexionam os dedos, a grávida pode se queixar de dor nos dedos e diminuição da força.
Nesses casos, recomendamos orientação postural para as atividades diárias; redução de atividades que requerem uso intenso das mãos; reeducação muscular; uso de órtese noturna; exercícios de alongamento, mobilização do nervo mediano e drenagem linfática para a melhora dos sintomas.
Há medidas físicas a serem aplicadas para o edema e dores nas pernas?
O edema atinge a maioria das gestantes, sendo mais comumente observado em pés e tornozelos, mas pode chegar a atingir mãos e punhos – na maioria das vezes, não está relacionado com nenhuma doença. A drenagem linfática manual contribui para o retorno do excesso de líquidos, com manobras em um ritmo contínuo e lento, com o cuidado específico ao período gestacional, sem drenar a região do tronco e abdome. Além disso, exercícios circulatórios para as extremidades, pés e mãos, e exercícios na piscina, como a hidroginástica, contribuiriam para a melhora do edema e da dor. A elevação das pernas em casa, associada ao repouso, quando necessário, e ao uso de meias compressivas, contribui para reverter o quadro doloroso e de inchaço.
É permitido o uso de neuroestimulação elétrica transcutânea (TENS) em qualquer região? Há restrição a outros métodos terapêuticos?
A neuroestimulação elétrica transcutânea é um método não farmacológico e não invasivo,utilizado para o alívio de dor aguda e crônica. Mas não deve ser utilizado no primeiro trimestre da gestação em decorrência da ausência de estudos científicos que investiguem as repercussões no desenvolvimento fetal com a utilização desse recurso terapêutico. Pode ser usado após o primeiro trimestre de gestação, exceto na região abdominal. Outros recursos utilizados na fisioterapia, como o ultrassom e o laser, não devem ser utilizados próximos ao útero gravídico. Ainda, devido à frouxidão ligamentar devemos evitar técnicas de osteopatia e quiropraxia em gestantes. ,
Câimbra, principalmente na panturrilha, é uma queixa costumeira. Como orientar a gestante para reduzir sua frequência e atuar no momento da dor?
Para diminuir os episódios de câimbras, a gestante deve fazer atividade física leve ou moderada frequentemente, alongamento na panturrilha e exercícios metabólicos. No momento da dor, ela pode massagear a região para diminuir e movimentos lentos para relaxar a panturrilha.
A massoterapia é contraindicada durante a gravidez? Técnicas mais vigorosas ou aplicação de calor têm alguma restrição?
A massoterapia não é contraindicada durante a gravidez, porém, técnicas mais vigorosas, como a massagem ou drenagem modeladora, não devem ocorrer. A massagem com fim de relaxamento e a drenagem linfática para redução de edema podem ser feitas com movimentos leves e suaves, sempre por fisioterapeuta especialista na área. Ao se optar pela massagem como técnica para promover relaxamento, não se deve fazê-la em decúbito dorsal por muito tempo, e de forma alguma em ventral. Também não se deve massagear a região abdominal.
O calor pode ser aplicado por meio de compressas na região da coluna lombar e panturrilha, por exemplo, sem chegar à região próxima ao abdome – para evitar hipertermia do bebê. A aplicação de calor profundo por meio de ondas curtas em fisioterapia é contraindicado.
Na gestação, há alguma particularidade da reeducação postural global, a RPG? Quem já estava em um programa terapêutico pode continuar com o mesmo profissional?
Durante a gestação, a RPG pode ser feita por contribuir muito com a redução de dor lombar, porém, a gestante deve evitar ficar na postura de rã no ar ou no chão por mais de dez minutos, a partir do quinto mês de gestação, pois esse tempo prolongado em decúbito dorsal pode causar compressão da veia cava e artéria aorta, com possível hipotensão. A gestante que já estava em um programa terapêutico pode continuar com o mesmo profissional, desde que se ajuste às novas necessidades.
Como a fisioterapia pode ajudar no preparo para o trabalho de parto?
Exercícios corporais, além de técnicas de respiração para cada fase do parto e de relaxamento, contribuem para conscientização corporal e redução de dores. Ainda, disponibilização de informações sobre a fisiologia da gestação e do parto, favorecendo o autocontrole materno, leva à redução da dor e da ansiedade, contribuindo para uma gravidez mais saudável e maior satisfação no decorrer do processo. Devemos incentivar a adoção de posturas verticais para acelerar o trabalho de parto, aumentar a flexibilidade do períneo por meio de massagem perineal e utilização do Epi-no, para evitar a necessidade de episiotomia e lacerações perineais de maior grau.
Há vantagens no acompanhamento fisioterapêutico durante a fase ativa do trabalho de parto? E no período expulsivo?
Sim, a fisioterapia no trabalho de parto dispõe de técnicas não farmacológicas para redução de dor e ansiedade, incluindo massagem, respiração, banho e estimulação elétrica transcutânea, que possibilitam um trabalho de parto menos doloroso e mais ativo à parturiente, estimulada e encorajada pelo fisioterapeuta a adotar posturas verticais. Isso reduz o tempo de duração do trabalho de parto, ao ficar em pé, caminhando, sentada, de cócoras ou ajoelhada, em busca de um maior conforto em cada momento do processo.
Depois do parto, a participação do fisioterapeuta ajudaria na recuperação física da gestante? De que forma?
Após o parto, já no puerpério imediato, a atuação da fisioterapia é justificada em razão das alterações musculares,do padrão respiratório, circulatório e órgãos abdominais e pélvicos. Os objetivos nesse período inicial são incentivar a deambulação precoce, promover reeducação da função respiratória, orientar exercícios para os músculos do assoalho pélvico e ativação dos músculos abdominais. Ainda, posturas adequadas para deambular, amamentar, segurar e trocar o bebê. Quadro de dor pode ser aliviado pela aplicação de TENS. Devemos orientar alguns cuidados se a paciente referir dor e apresentar edema na região da episiotomia, como a aplicaçãode compressa de gelo no local, com algumas medidas específicas.
No puerpério tardio, exercícios para fortalecer os músculos abdominais enfraquecidos podem ser executados, com cuidado e obedecendo a algumas restrições, como a não abdominal clássica – exercício concêntrico – nos primeiros meses após o parto, e não oferecer sobrecarga, nos primeiros meses, devido à fraqueza abdominal e vulnerabilidade das articulações pela ação hormonal.
Além disso, os músculos perineais precisam recuperar sua função, e exercícios de fortalecimento orientados por fisioterapeuta devem ocorrer para prevenir ou tratar disfunções do assoalho pélvico – incontinência urinária e/ ou fecal,prolapso dos órgãos pélvicos e queixas sexuais, como a dispareunia.A puérpera deve igualmente ser orientada quanto à sua postura durante as atividades de cuidado ao bebê para não sentir dor, retomar exercícios globais de fortalecimento e alongamento da coluna cervical,torácica e lombar. Ainda, pode ser necessária a drenagem linfática para diminuir o edema nas pernas e tornozelos que permanece por algumas semanas após o parto.
Quais cuidados precisam ser tomados?
É necessário substituir exercícios de impacto e que ofereçam risco de queda para evitar lesões articulares, e reduzir a sobrecarga em exercícios de fortalecimento. A musculação pode continuar a ser realizada, desde que o treinamento seja individualizado e com cargas baixas. Os alongamentos, por causa do relaxamento ligamentar durante a gestação, devem ocorrer respeitando os limites de amplitude de movimento. Manter intensidade leve a moderada nos exercícios, sem ultrapassar a frequência cardíaca de 140 bpm, a fim de melhorar o preparo físico materno sem prejuízos ao feto.
Fonte: Revista Sogesp