Endometriose é uma das condições ginecológicas benignas mais comuns entre as mulheres
Em 1925, após estudo intenso sobre a doença, Sampson propôs o termo endometriose acreditando no endométrio como a principal fonte causadora da doença. Atualmente é definida pela presença de tecido que se assemelha a glândula e/ou estroma endometrial fora do útero, com predomínio, mas não exclusivo, na pelve feminina.
De uma perspectiva clínica, trata-se uma doença crônica, inflamatória, sistêmica e dependente do ciclo menstrual que tem como principais sintomas dor e/ou infertilidade.
Mesmo após 100 anos de sua descoberta, ainda é uma doença desafiadora – tanto sua etiopatogenia quanto diagnostico e tratamento e se torna ainda mais desafiadora quando em pacientes jovens.
Determinar a prevalência da endometriose é difícil, à medida que os estudos incluem mulheres em fases diferentes sua vida reprodutiva e utilizam critérios diagnósticos diferentes, mas estima-se que comprometa de 5 a 15% das mulheres no período reprodutivo, podendo chegar a 50-60% das pacientes com dor pélvica crônica ou infertilidade.
Em adolescentes, mulheres de 11 a 21 anos, a mesma prevalência parece ser confirmada.
A literatura tem sido alimentada com dados sobre endometriose na adolescência mostrando que mulheres cada vez mais jovens são diagnosticadas com esta doença? Entretanto o diagnóstico correto de endometriose permanece um verdadeiro “calcanhar de Aquiles” para os ginecologistas. O tempo desde o início dos sintomas até o diagnóstico ainda é muito longo, variando de 4 a 11 anos.
Na população adolescente o diagnóstico de endometriose é ainda mais desafiador, e quanto mais jovem a paciente inicia os sintomas da doença, maior é o tempo para que o diagnóstico seja estabelecido. No Brasil, a média de tempo do início dos sintomas até o diagnóstico é de 12,1 anos para pacientes que apresentaram o começo dos sintomas com até 19 anos e de 3,3anos para pacientes que iniciaram os sintomas com mais de 30 anos de idade.
O tempo para o diagnóstico entre pacientes com faixa etária diferentes também foi confirmado por outros trabalhos. Em um estudo publicado em 2009, no qual 4.334 mulheres foram avaliadas, o tempo para o diagnóstico em pacientes que manifestaram sintomas na adolescência foi três vezes maiores comparação a pacientes que iniciaram os sintomas na fase adulta (seis anos x dois anos).
Além disso, foi descrito que pacientes atendidas por médico generalista tiveram um maior atraso diagnóstico (4,7 anos) quando com-paradas a pacientes que buscaram atendimento por ginecologista (3,6 anos) ou especialistas (2,7 anos).
Tendo em vista que a demora no diagnóstico da doença predispõe à cronicidade da dor, a progressão para quadros graves, necessidade de cirurgias mais complexas e maior morbidade, torna-se, em especial para o ginecologista, uma tarefa essencial estar capacitado para o diagnóstico correto e precoce, principalmente em pacientes jovens, prevenindo tais complicações, bem como protegendo o futuro reprodutivo destas pacientes.
Diagnóstico e tratamento
A dor pélvica é o sintoma mais comumente relacionado à endometriose, ocorrendo na maioria das vezes uma associação entre dismenorreia, dor pélvica acíclica e/ou dispareunia de profundidade. Entretanto, em cerca de 12% das pacientes, a dor no período menstrual pode ser o único sintoma relatado.
Paralelamente, a dismenorreia também é o sintoma menstrual mais comum apresentado por adolescentes, com uma prevalência que varia de 50 a 90%. Assim, por ser um sintoma comum nesta faixa etária, existe uma tendência a normalizá-lo, tanto por parte dos familiares destas adolescentes quanto pelos médicos, contribuindo para a demora no diagnóstico da doença.
A diferença entre os conceitos de dismenorreia primária e secundária devem estar bem claros para o ginecologista. A dismenorreia primária é definida como dor no período menstrual na ausência de afecções pélvicas. Coincide cronologicamente com o início dos ciclos ovulatórios, ou seja, 6 a 12 meses após a menarca. Sua fisiopatologia é baseada em mediadores inflamatórios, prostaglandinas e leucotrienos, e quadro clínico habitual de dor que se inicia pouco antes ou juntamente com a menstruação, podendo durar de horas a dias, em casos excepcionais. (GANTT, 1981)
Já a dismenorreia secundária é definida como dor no período menstrual secundária a afecções pélvicas como adenomiose, infecções, leiomiomas, anomalias mullerianas, cistos ovarianos e endometriose, sendo esta última a causa mais comum.
Diante de uma paciente com dismenorreia, como diferenciar?
O primeiro passo é dar atenção à queixa de dor, buscando suas características como início, relação com a menarca, relação com outros sintomas, intensidade, fatores de piora ou melhora e sua evolução ao longo do tempo.
Em 2015 um estudo com adolescentes diagnosticadas com endometriose através de laparoscopia demonstrou que muitas apresentavam dor acíclica (não relacionada com o período menstrual), 56% apresentavam queixas gastrointestinais e 52% sintomas geniturinários, atentando para a importância de investigar e questionar a presença dos mesmos quando está diante de uma paciente com dor pélvica.
Diante de uma adolescente com quadro suspeito de dismenorreia primária, o tratamento empírico é recomendado. Anti-inflamatórios não esteroidais são a primeira opção. Deve-se orientar iniciar o tratamento um ou dois dias antes do início do período menstrual(analgesia preemptiva) e mantê-lo por 2 ou 3 dias, tornando-o assim mais efetivo.
Tratamento medicamentoso hormonal também pode ser considerado em associação aos anti-inflamatórios quando a baixa resposta destes. Seu efeito está relacionado à menor proliferação endometrial e ovulação, com diminuição na produção de prostaglandinas e leucotrignos, além de um provável efeito analgésico do progestagênio.
Tratamentos alternativos como atividade física e tratamento térmico local (compressa morna) são relatados e recomendados, visto potencial benefício, baixo custo e baixo risco de complicações. Outros tratamentos, como suplementação de vitamina D, óleo de peixe, vitamina B1, estimulação nervosa transcutânea, carecem de mais evidências.
Tão importante quanto o início do tratamento para adolescentes com dismenorreia primária é o seguimento e avaliação da resposta. Caso sem que a dismenorreia persista por 3 a 6 meses, evoluindo para cronicidade, a suspeita de dismenorreia secundária deve ser sem prelevada em consideração. Além disso,a coexistência com outros sinto-mas (gastrointestinais, urológicos, musculoesqueléticos, psicossociais)é um sinal importante para ampliar a investigação para causas secundarias de dor pélvica.
Em adolescentes, a ausência da sexarca muitas vezes limita a investigação semiológica desde a anamnese, visto inexistência de sin-tomas que poderiam contribuir para o diagnóstico como dispareunia, até o exame físico pélvico que se torna limitado para o ginecologista. Além disso, mesmo pacientes jovens que iniciaram a vida sexual têm maior limitação em relatar ao ginecologista a ocorrência de dispareunia.
Diante da suspeita de dismenorreia secundária, sabendo que a endometriose é a causa mais comum, exames complementares se fazem necessários cuja propedêutica inicial deve ser realizada com ultrassonografia pélvica. Importante ressaltar, contudo, que exame físico e ultrassonografia pélvica normais não eliminam o diagnóstico de endometriose.
A ressonância magnética da pelve é importante em quadros suspeitos de anomalias mullerianas, endometriomas ou outros cistosovarianos, ou como investigação complementar ao ultrassom, quando este não é elucidativo. Já a dosagem sérica de CA-125 NÃO é recomendada como rastreio diagnóstico ou como seguimento para endometriose.
A laparoscopia diagnóstica é uma ferramenta que pode ser utilizada, porém, em casos individualizados, onde há forte suspeita clínica, entretanto sem diagnóstico confirmado pelos exames especializados de imagem e/ou em casos de dor persistente refratária ao tratamento clínico com exames normais. Por se tratar de um exame mais invasivo, levando em consideração riscos cirúrgicos e anestésicos, a decisão por essa conduta deve ser sempre compartilhada com a paciente e seus familiares.
A laparoscopia também tem a possibilidade de ser terapêutica caso sejam encontradas lesões, as quais devem ser sempre biopsiadas objetivando a confirmação diagnóstica. É indicada a exérese de lesões superficiais e a ressecção completa de implantes profundos. Histerectomia, ooforectomia, peritonectomia ,e outros tratamentos cirúrgicos amplos não são recomendados para pacientes jovens, e mesmo em pacientes adultas têm sua eficácia duvidosa. A laparoscopia deve ser sempre realizada por profissional especializado, visto que lesões iniciais muitas vezes não são percebidas por médicos pouco familiarizados com a doença.
A maioria das adolescentes submetidas a laparoscopia com o diagnóstico de endometriose se encontram no estádio inicial da doença. Mas é importante terem mente, para também orientar paciente e familiares, de que não existe relação direta entre os sintomas e a gravidade da doença.
É indicado, principalmente para pacientes jovens com endometriose, a terapia de supressão hormonal com contraceptivos combinados orais, SIU de Levonorgestrel ou progestágenos isolados orais, injetáveis ou implantes subdérmicos, mesmo para pacientes submetidas a trata-mento cirúrgico, visto se tratar de uma doença crônica.
Devido seu efeito a longo prazo sobre a mineralização óssea, o uso de análogo de GnRH para pacientes jovens não é indicado. Em casos excepcionais, devido à gravidade ou refratariedade a outros tratamentos, se o mesmo for utilizado, a add-back terapia com terapia hormonal deve ser prescrita desde o início do tratamento, prevenindo sintomas climatéricos e perda de masa óssea.
Endometriose há um século é uma doença desafiadora, ainda mais quando levamos em conta o diagnóstico em pacientes jovens. Por outro lado, neste público, o diagnóstico correto consiste uma verdadeira missão para o ginecologista, que pode atuar preventivamente no futuro reprodutivo, além de evitar complicações de uma doença que pode prejudicá-la do ponto de vista biológico, psicológico e social ao longo da vida.
Fonte: Revista SOGESP | 2023