A boa comunicação entre o casal e o obstetra durante o pré-natal pode trazer orientação de qualidade e informações importantes para a desmitificação do sexo na gravidez
Durante a gestação, há muita insegurança por parte do casal sobre a atividade sexual. As mulheres, em especial, preocupam-se com a possibilidade de o sexo afetar o bebê. É um momento novo, diferente, com um turbilhão de hormônios que alteram o organismo, o corpo e a vida da gestante — e, por consequência, do parceiro.
A ginecologista e obstetra Flávia Fairbanks, graduada, pós-graduada, mestre e doutora em ginecologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), coordenadora do setor de Ginecologia do ProSex, membro do Núcleo de Sexologia da Ginecologia — ambos do Hospital das Clínicas da FMUSP — e secretária da Comissão Nacional Especializada de Sexologia baseada em um tripé: a mulher pode sentir-se empoderada por estar gerando uma vida, mas, por outro lado, ela fica frágil devido a todas as alterações físicas e emocionais que estão acontecendo. “A outra parte desse triângulo é, ainda, uma carga imensa de responsabilidade pelo bebê, e isso pode ser muito duro para a mulher.”
A orientação de qualidade por parte do obstetra e a comunicação entre o casal são fatores essenciais para que esse triângulo se equilibre e a gestante tenha confiança para viver a experiência de gerar e parir com segurança. “Dessa forma, é possível desmistificar os riscos da relação sexual durante a gestação, propiciando um período bem mais agradável e tranquilo”, explica Fairbanks.
Segundo a especialista, é importante que o relacionamento sexual do casal antes da gravidez seja levado em conta. “Temos dois tipos de situação que levam à gestação. Uma é a dos casais que tinham uma vida sexual satisfatória, com algum projeto gestacional, e que lidam com a novidade sem traumas nem dificuldades” diz. “Observa-se que esse casal costuma passar melhor pelas atividades sexuais solutamente natural.”
Em outro cenário, existe o casal que teve dificuldades para engravidar; foi preciso planejamento, inclusive do ponto de vista socioeconômico, tendo às vezes sido necessário um tratamento por meio de reprodução assistida ou fertilização in vitro (FIV). “Nesse caso, tudo passa a ficar tão matematicamente programado que a gravidez vira um projeto de vida, além de ser infinitamente valorizada, e isso pode impactar a vida sexual do casal”, alerta a coordenadora do setor de Ginecologia do ProSex.
Nessa condição, o casal fica ainda mais inseguro e com medo de, ao fazer sexo, prejudicar de alguma forma a gestação tão esperada. “É uma questão instintiva de proteger o útero contra qualquer tipo de agressão. A consequência é que muitas dessas mulheres param de ter relações sexuais ou diminuem muito sua frequência”, relata Fairbanks.
DESEJOS
A libido das mulheres varia muito durante a gravidez. As alterações hormonais mexem com o lado físico: a pele fica mais viçosa, os cabelos, mais cheios, a lubrificação vaginal é mais fácil. Do ponto de vista fisiológico, portanto, algumas podem se sentir sexualmente mais atraentes.
“No cenário ideal, se a vida sexual do casal já era prazerosa, é bem provável que os dois tenham uma vivência muito boa durante a gestação”, afirma a obstetra. “Pode haver, porém, outra paciente que esteja passando pela mesma experiência mas sinta enjoos, cansaço, sono, tenha episódios de vômito… Nesse caso, é natural que ela deixe a atividade sexual no plano secundário.”
Há os casos em que a mulher não quer ter contato nenhum com o parceiro. A especialista reforça que é preciso entender que se trata apenas de um período. “Não se cobre. Não é sua culpa. É preciso respeitar-se e ser respeitada pelo parceiro”, aconselha a secretária da Comissão Nacional Especializada de Sexologia da Febrasgo. “Ficar juntinho, aproximar-se, abraçar, fazer uma refeição gostosa pode ajudar os dois. E, quando o vínculo entre o casal é forte, o sexo é retomado facilmente após a gestação”, sugere.
ORIENTAÇÃO ADEQUADA
Durante a gravidez, as conversas entre o casal, e também com o obstetra, são essenciais. Elas devem ser estimuladas, com a mulher e o homem expondo os medos, os tabus, as fantasias. Para Flávia Fairbanks, a relação sexual numa gestação de baixo risco é normal e muito bem-vinda.
Das conversas do casal com o obstetra pode surgir a correção de atividades sexuais que já eram praticadas antes da gestação. Um exemplo disso é o sexo anal.
A especialista explica que essa prática, quando seguida do sexo vaginal, pode causar grandes prejuízos; por isso, no sexo anal, é imprescindível o uso de preservativo. “É uma prática usual da população, portanto é preciso falar sobre isso no pré-natal, para que haja a orientação adequada. Se o casal tem uma relação anal sem preservativo e, na sequência, uma vaginal, serão transportadas milhares de bactérias, que sobem pelo canal genital materno e infectam a bolsa, que pode ser rompida de modo prematuro, comprometendo a gravidez”, esclarece.
Já na relação vaginal, o preservativo não é uma prática exigida, mas é importante que o caso seja avaliado. Se a paciente tem, por exemplo, uma candidíase que demora a se resolver, ele deve ser utilizado. “Com a ejaculação, existe uma mudança imediata do Ph — o do sêmen é alcalino ou básico, e o vaginal saudável é ácido —, e às vezes o organismo materno recebe mal essa alteração. Então, se você colocar uma barreira, pode evitar essa situação”, explica a obstetra.
Do ponto de vista médico, são poucas as contraindicações formais à prática sexual durante a gestação. “Muitas pacientes, quando questionadas no pré-natal se estão tendo relações, respondem que não. Mas não houve por parte do obstetra nenhuma orientação nesse sentido”, diz Fairbanks. “É muito importante conversar sobre o assunto durante as consultas: se o médico não falar explicitamente sobre recomendações de não haver relações sexuais, mas se você tiver dúvidas, pergunte claramente, seja objetiva, peça explicações, incluindo questionamentos sobre outras práticas sexuais — oral, anal, masturbação.”
No caso de uma gestação de alto risco, é preciso seguir e respeitar uma série de recomendações médicas. A obstetra informa que essas indicações valem, por exemplo, para as pacientes que tiveram trabalho de parto prematuro, as que precisaram ficar internadas para segurar a gestação, as que romperam a bolsa antes da hora ou, ainda, as que têm colo do útero curto, distinguido apenas no pré-natal. “Inclui-se também a investigação por alguma dor diferente, enquanto não se tem a definição do problema.”