A revista Vox Medica traz uma entrevista exclusiva com a médica Mirela Jimenez, presidente da Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Rio Grande do Sul (SOGIRGS). Nas próximas páginas, ela defende o parto hospitalar como a única alternativa de garantir a segurança das gestantes e de seus filhos. Mirela é médica do Hospital Fêmina, onde trabalha com planejamento familiar, atuando também como preceptora de residência médica. Além disso, é professora das universidades federais de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e do Rio Grande do Sul (UFRGS). Tem experiência na área de medicina, com ênfase em ginecologia e obstetrícia, atuando principalmente nos seguintes temas: planejamento familiar e anticoncepção, avaliação do bem-estar fetal e gestação de alto-risco.
Qual a importância do parto hospitalar?
Até a metade do século passado, os partos eram atendidos fora do hospital e acompanhados por parteiras, que chamavam os médicos quando achavam que era necessário; as taxas de cesárea giravam em torno de 5%. No final do século passado, na maioria dos países, os partos eram realizados em hospitais por médicos especialistas, e as taxas de cesárea ficavam em torno de 30% nas instituições públicas. Concomitantemente com este movimento médico, mais intervencionista, foi observada uma inquestionável redução nas taxas de mortalidade materna e perinatal. Contribuíram de forma importante para estas reduções o avanço e a segurança da cesariana em substituição ao parto distócico, o uso de ocitocina para a correção do parto disfuncional e da hemorragia e o uso racional da antissepsia e da antibioticoterapia para prevenção e tratamento das infecções. Defendemos o parto com segurança para a saúde da gestante e de seu bebê.
Defendemos o parto realizado dentro do hospital, com equipe de saúde completa, com obstetras, neonatologistas/pediatras, anestesistas, enfermeiras, técnicas de enfermagem e demais profissionais. A defesa do parto hospitalar tem como base os resultados de estudos robustos realizados na Inglaterra, na Holanda e nos Estados Unidos. Nestes países (onde existe estrutura preparada, logística de transporte e comunicação e equipes treinadas fazendo parte da assistência ao trabalho de parto), os resultados perinatais, comparando partos hospitalares com partos fora de hospitais, foram muito preocupantes.
Para a senhora, Por que tem aumentado este debate sobre parto hospitalar versus parto domiciliar?
Recentemente, tem sido discutido o parto domiciliar, com um enfoque romantizado, por ser o domicílio um ambiente com o qual a paciente estaria mais familiarizada e teria mais proximidade de seus familiares. Desta forma, o parto seria mais humanizado. Mas o que também preocupa a sociedade científica da especialidade é a criação dos Centros de Parto Normal (CPNs), instituídos pelo Ministério da Saúde (MS) por meio das Portarias 888/99 e 985/99. Eles podem funcionar fora dos hospitais e a presença dos médicos obstetra e pediatra é facultativa, conforme a portaria do MS. No Brasil, ocorre um incentivo ao parto domiciliar e em casas de parto, quando no mundo todo ocorre um movimento de desestímulo e diminuição do parto domiciliar. Acreditamos que é preciso investir na qualidade da assistência obstétrica hospitalar e torná-la um ambiente mais confortável. Considera-se, desta forma, mais importante e mais fácil tornar o ambiente hospitalar mais agradável e aconchegante para o momento do nascimento do que tornar seguro o domicílio ou CPN para a realização do parto. Por estas razões, o debate é importante para o esclarecimento da população e para que se possam realizar as escolhas com conhecimento dos riscos e benefícios.
Qual o papel da SOGIRGS e do SIMERS neste debate?
Esclarecer, na mesma linha do que fazem a Academia Americana de Pediatria e o Colégio Americano de Ginecologia e Obstetrícia, que o hospital e as maternidades são os locais mais seguros para o nascimento e que, em respeito ao direito da mulher escolher, ela deverá ser completamente informada sobre os riscos e os benefícios, baseados nas evidências científicas recentes, para a tomada da sua decisão.
Quais ações têm sido desenvolvidas pela SOGIRGS?
Realizamos em Porto Alegre, em março, um debate com a presença do Conselho Federal de Medicina (CFM), da Associação Médica Brasileira (AMB), do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (SIMERS), da Associação Médica do Rio Grande do Sul (AMRIGS) e do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (CREMERS), com o presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e presidentes de várias federadas do Brasil sobre as questões relacionadas à obstetrícia. Foi o Fórum de Assistência Obstétrica FEBRASGO/SOGIRGS. Estamos realizando debates sobre a assistência obstétrica em todos os grandes eventos da nossa associação e realizamos um trabalho conjunto com o SIMERS.
Quando a SOGIRGS e o SIMERS chamaram uma assembleia para tratar do tema, compareceram mais de 40 médicos. A adesão da categoria surpreendeu?
As discussões sobre a responsabilidade civil dos médicos em partos realizados por não médicos é uma preocupação crescente, portanto a presença de um grande número de obstetras não nos surpreendeu. Obstetra trabalha em benefício de dois pacientes e tem que avaliar a conduta frente a duas situações: a obrigação de benefício e respeito à autonomia da gestante e a obrigação de benefício para o feto. Na imensa maioria das vezes, o obstetra não encontra conflito na sua tomada de decisão, mas, em determinadas situações, ele aparece. Para resolver, realizamos as discussões.
Foi formada uma comissão de obstetras de vários hospitais para seguirmos no debate.
Já aconteceram várias reuniões. podemos considerar que foram conquistadas algumas vitórias nesta luta? Se sim, Quais?
O alcance foi bastante significativo, em especial no esclarecimento à população dos riscos relacionados ao parto realizado fora do ambiente hospitalar, pois o parto normal, eutócico, sem complicações, é um evento simples. Mas a classificação de baixo risco ou de risco habitual é dinâmica e esta definição só se completa depois do nascimento, com o bebê já no colo da mãe. O que, inicialmente, parecia de baixo risco, pode se transformar em alto risco em poucos minutos, e as ações necessárias para preservar a vida da mãe e do bebê precisam ser rápidas. Demorar ou não fazer o diagnóstico do alto risco ou da complicação do parto podem ser cruciais e determinar resultados adversos para a mãe e para o recém-nascido.
Estudos internacionais sobre parto não-hospitalar
AnnemiekerEvers e colaboradores (BMJ, 2010), com o intuito de demonstrar a eficiência do sistema de saúde na Holanda, avaliaram um corte prospectivo de 37.735 nascimentos de gestantes de baixo risco que tiveram parto domiciliar ou em Centro de Parto Normal realizado por enfermeiras e os compararam com os nascimentos de gestações de alto risco realizados por obstetras no hospital. Os recém-nascidos de partos de baixo risco realizados por enfermeiras tiveram mais do que o dobro da mortalidade perinatal relacionada ao nascimento. As parturientes que foram referidas aos obstetras pelas enfermeiras tiveram 3,6 vezes mais risco de mortalidade perinatal e 2,6 vezes mais chance de ter seu filho internado em UTI neonatal.
Já um estudo inglês (Birthplace in England Collaborative Group. BMJ, 2011) demonstrou que a mortalidade neonatal foi 1,75 vez maior nas nulíparas (mulheres que ainda não tiveram filhos) que tiveram partos de baixíssimo risco realizados no domicílio ou em casas de parto normal, quando comparados com os partos hospitalares realizados por médico. A taxa de transferência dessas nulíparas para o hospital chegou a 45% e o tempo de transferência ficou entre 97 e 157 minutos. O tempo de deslocamento é outro fator relevante a ser considerado, uma vez que o Brasil é um país de grandes dimensões, com áreas de difícil acesso e cidades que vivenciam caos no trânsito.
Amos Grünebaum e colaboradores (Am J ObstetGynecol, 2014), estudando 13.936.071 nascimentos entre 2006 e 2009 nos EUA, com dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), avaliaram dois desfechos neonatais: Apgar zero no quinto minuto (nota dada ao recém-nascido, que varia de 0 a 10) e dano neurológico em três locais de parto – parto feito por enfermeiras no domicílio, em Centros de Parto Normal e em hospitais. A chance do recém-nascido ter Apgar zero no quinto minuto foi 3,5 vezes maior nos Centros de Parto Normal e 10,5 vezes maior no domicílio, quando comparados com o parto hospitalar. A chance do recém-nascido ter dano neurológico foi duas vezes maior nos Centros de Parto Normal e quatro vezes maior no domicílio, quando comparados com o parto hospitalar.
Fonte: VOX Medica | Novembro 2015