COMEMORE SEUS SUCESSOS DIÁRIOS, POR MENORES QUE POSSAM PARECER
Vivemos uma situação inusitada com a pandemia de covid-19 e, muitas vezes, temos a sensação de total perda de controle. A sobrecarga do dia a dia em honre office, os cuidados domésticos, a alimentação, os filhos, o companheiro — que muitas vezes também está trabalhando em casa —, os medos, as incertezas nos remetem a situações de ansiedade e angústia.
A necessidade de reestruturar-se, reinventar-se e manter-se firme — com a certeza de estar fazendo o melhor —, visando ao bem individual e, principal- mente, coletivo, é premente. Buscar a perfeição agora pode ser muito desgastante, e, se levarmos em consideração os referenciais do passado, poderemos ficar com a impressão de que falhamos.
O psiquiatra Joel Rennó Jr., coordenador desde 2001 do Programa de Saúde Mental da Mulher do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), professor de psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e coordenador da Comissão de Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), explica os dias atuais: “É preciso saber lidar com a situação, que é muito triste. Não é possível fazer tudo de modo perfeito. Vivemos uma sucessão de perdas — amigos, familiares — e ainda temos as privações consequentes da falta do contato social”. O importante, no momento atual, é ser mais flexível, não exigir de si tarefas
impossíveis, impor-se os limites necessários e sempre comemorar as pequenas vitórias diárias.
“O BOM ENTENDIMENTO DE SEU POTENCIAL, DE SUAS HABILIDADES, E A SEGURANÇA SOBRE O QUE A PESSOA PODE OU NÃO REALIZAR, INDEPENDENTEMENTE DO OLHAR EXTERNO, SÃO FUNDAMENTAIS.”
O OLHAR DO OUTRO
Pessoas que têm uma autopercepção distorcida, que não enxergam os próprios talentos nem os pequenos sucessos e são dependentes de avaliações externas podem estar sofrendo de baixa autoestima.
Críticas construtivas são bem-vindas. Elas nos ajudam a crescer como ser humano e a evoluir profissionalmente, mas é necessário dosar a forma como recebemos a opinião do outro. Conviver com alguém muito crítico, incapaz de fazer um elogio, pode gerar um grande desconforto. “A pessoa com baixa autoestima vai achar que poderia ter feito melhor; vai, portanto, se culpar e não vai conseguir ter urna vida em paz”, diz Rennó Jr. “A comparação de sua vida com a do outro impossibilita a realização pessoal e,
muitas vezes, profissional.”
Para o especialista, é preciso ter uma vida muito bem estruturada, no sentido de percepção de si mesma: “O bom entendimento de seu potencial, de suas habilidades, e a segurança sobre o que a pessoa pode ou não realizar, independentemente do olhar externo,
são fundamentais.”
Mas a baixa autoestima não aparece de repente. “Muitas vezes, ela vem do passado, da infância, de nossas relações familiares, de pais negligentes, violentos ou extremamente críticos”, esclarece Rennó Jr. “Nos primeiros meses após o nascimento, até a primeira infância, a forma como a criança é cuidada, como se vincula à mãe e ao pai, é essencial na formação de sua autoestima. Quando não há esse suporte psicoafetivo e até material, ou quando existem vivências de violência com ela ou no ambiente, a formação da autoestima fica prejudicada.”
O professor de psiquiatria da USP destaca ainda as redes sociais como um problema que afeta até os mais seguros de si. “Aquilo não é real, mas, quando alguém posta fotos de uma vida perfeita, harmoniosa, de gente bonita com corpo escultural, a comparação é inevitável, e logo surgem os questionamentos para quem sofre de baixa autoestima: ‘É incrível, para essa pessoa dá tudo certo, ela tem dinheiro, é feliz, tem uma família bacana, um corpo maravilhoso’. A imaginação constrói um cenário que, na prática, não existe.”
Buscar outra leitura de si mesma, aprendendo a valorizar suas realizações, pode ser um exercício essencial para lutar contra a baixa autoestima. “Um trabalho de terapia cognitiva pode ajudar muito essa pessoa, para que ela aprenda a prestigiar seus feitos, apreciando também as pequenas metas, e para que não fique sonhando apenas com grandes projetos, deixando de focar e dar importância às pequenas conquistas”, indica.
“A vida é feita de vitórias e frustrações. Não podemos fazer um arquivo de memória seletiva, guardando apenas os fracassos. Se isso a está incomodando, isolando-a do convívio pessoal ou profissional, busque ajuda”, conclui o especialista.