O momento do parto nada tem a ver com heroísmo materno ou com se tornar uma mulher mais poderosa. Engravidar e, depois, dar à luz, por qualquer via, é e deve ser um evento simples e seguro. Animais irracionais, e formas de vida ainda menos complexas, também se reproduzem, também dão à luz. O desafio da maternidade não está aí. Mas na doação e na dedicação que um filho exige pela vida toda. O parto não é um espetáculo, não é um circo, não é um evento social. O nascimento de um bebê é, sim, um momento lindo. Por isso o tipo de parto importa pouco perto da grandeza de se tornar mãe, perto da grandeza de gerar uma nova vida para o mundo. Quem precisa parir por uma via específica, quem faz questão de sentir dor para se sentir mais mulher, realmente não precisa de obstetra – precisa de terapia. A mulher que não consegue manter uma relação saudável com seu marido, ou consigo mesma, depois do parto, porque não teve o parto sonhado ou porque ficou com uma cicatriz, precisa rever seus valores. O parto não pode ser uma arena para resolver (ou para criar novas) frustrações. Não é disso que se trata. Temos que tirar o foco do parto e colocar o foco no nascimento. O bebê é a estrela do parto – e não a mãe. A mãe está ali, tanto quanto o pai, tanto quanto a equipe médica, para fazer todo o possível para que aquela nova vida chegue da melhor maneira possível ao mundo. O bebê não é um mero coadjuvante do momento maior da vida da sua mãe – é exatamente o contrário. O exercício da maternidade começa por essa compreensão. Ser mãe é oferecer as melhores condições possíveis para o seu filho. Deixar de oferecer todos os recursos disponíveis, quando tem acesso, deixar de realizar o parto com pessoas capacitadas, em nome de uma ideologia ou de uma aposta heterodoxa, é uma atitude egoísta. Significa ignorar a integridade do filho – sem falar na sua própria – para satisfazer o próprio ego. Não é possível ter filhos se não sabemos ou não podemos abdicar de nossas idiossincrasias em nome deles. O nascimento de um filho não é evento para autopromoção, para panfletarismo, para empoderamento da mulher ou para ativismo feminista. O parto é um evento médico. Não pode ser usado como arma ou como laboratório para lutar por ideais que não representam o melhor que a ciência conseguiu produzir até hoje em termos de segurança e de conforto.
O parto nada mais é que a chegada de uma nova vida ao mundo. Eis o que é importante: dar à luz uma criança que nasça saudável e sem sequelas evitáveis. Com amparo competente e com o menor nível de sofrimento possível para todos os envolvidos. Portanto, escolha o tipo de parto que você deseja. E um parto que você vá dar conta. A menos que você tenha uma indicação médica para uma via específica. Não se deixe influenciar por opiniões leigas ou por crenças em que há mais romantismo do que conhecimento. O parto é só um dos inúmeros desafios que temos na vida. O que nos faz fortes são as nossas muitas experiências somadas. Suas qualidades como mulher e como mãe estão muito além do esforço dispendido nesse momento. Um parto, de verdade, é um evento mais técnico do que conceitual. Ele não prova nada. Você se provará, ou não, depois, na vida que segue. Existem muitas maneiras de se tornar uma grande mulher, dentro das habilidades específicas e das limitações que todas temos. Somos todas diferentes e cada uma tem seu valor. Muitas são ótimas esposas, donas de casa, cozinheiras, mães ou profissionais de sucesso. Muitas optam por nem ter filhos – e têm igual valor. Não existe uma receita única de felicidade. Somos muito importantes para sermos colocadas todas dentro de uma fórmula única e pronta. O que é ideal para uma, pode ser insuportável para outra. E essas diferenças devem ser respeitadas. A discussão sobre o parto é muito ruidosa. E há muitas vozes que se elevam sem conhecimento médico, sem amparo técnico, e que se ocupam de disseminar o sectarismo, a partir de uma posição leiga. E há dinheiro circulando a partir de inverdades e de difamações. Será que qualquer um pode, sem esforço, fazer o papel de médico que dedicam a sua vida ao estudo e à prática da saúde? Será que a obstetrícia é uma área de conhecimento tão óbvia que qualquer um, sem o menor preparo, pode praticar?
Os defensores do “parto humanizado” imaginam que trocar assistência e recursos de ponta pelo improviso e pela boa vontade desinstrumentalizada significa ser mais humano. Qualquer parto atendido com todos os cuidados médicos, e por uma equipe dedicada, respeitosa e competente, em hospital bem equipado, pode ser também um “parto humanizado”. Afinal, a ciência também é um produto humano, a serviço do bem-estar humano. É possível, num ambiente seguro, ter a presença do companheiro, ouvir música, criar um ambiente de harmonia e tranquilidade para a gestante, seja num parto natural ou numa cesariana. Mas, sempre, com segurança. O parto é um evento natural, mas não isento de riscos. Existem complicações imprevisíveis que precisam ser imediatamente revertidas por médicos capacitados, em ambientes com recursos como centro cirúrgico, banco de sangue, profissionais de saúde, medicamentos adequados. Logo, a segurança no parto é sinônimo de ambiente hospitalar. Os desfechos desfavoráveis na gestação e no parto são muitas vezes evitáveis e relacionados à qualidade da assistência e do ambiente oferecido ao bebê e à mãe. A negligência, em qualquer etapa da assistência, seja o pré-natal, o trabalho de parto, o parto ou o pós-parto, aumenta os riscos de sequelas ou de mortes. E esses eventos são, na maioria dos casos, evitáveis. Os avanços da ciência nos garantem mais segurança e nos oferecem as melhores práticas. Portanto, não devem ser desprezados. Foi a evolução desse conhecimento médico que nos permitiu driblar a seleção natural. Abrir mão desses recursos é considerar que morrer no parto também é um evento natural. Intervenções médicas não são formas de violência quando realizadas em favor da saúde e da vida, para reduzir o sofrimento humano, de modo competente e responsável. Muitas teses que preconizam o retrocesso estão em voga. Mas não se engane: elas não têm qualquer respaldo técnico. Vivem de ideologia, e não de conhecimento específico. Há atrocidades sendo ditas por aí. E, apesar disso, há quem aplauda. Enquanto isso, médicos e enfermeiros se dedicam a estudar e a salvar vidas, em silêncio, todos os dias.
Por Ana Cristina Russo, 45, é obstetra da UERJ e do Hospital dos Servidores, no Rio. É também professora-adjunta de Ginecologia e Obstetrícia da Unigranrio e colaboradora da comunidade Não Me Obriguem a um Parto Normal, no Facebook, que conta com 22 570 membros.
Fonte: http://projetodraft.com/