Estarrecido o mundo acordou no dia 27 de março de 2015 com a notícia de que o copiloto Andreas Lubitz teria jogado o Airbus 320 da Germanwings contra as montanhas dos Alpes franceses em decorrência de suposta crise de depressão, matando a si próprio e mais 149 pessoas.
Os principais jornais noticiaram que o jovem copiloto de 27 anos sofreu uma crise depressiva, com diagnóstico que até então não havia sido confirmado por nenhum médico. A forma com que foram tratados o evento e as suposições apenas provocou uma onda de revolta, medo, interpretações distorcidas e exaltou o estigma, o preconceito e a discriminação.
Passados dois anos dessa tragédia, muitas vidas se perderam em decorrência do suicídio. Isso decorre da desassistência à saúde e da discriminação ao doente com transtorno mental.
Há algumas décadas tem-se trabalhado pelo fim do estigma, trazendo à baila questões importantes acerca da inclusão social dos doentes com transtornos mentais e comportamentais (TMCs). À luz da ciência médica, são doenças que, se submetidas ao tratamento especializado, permitem ao paciente o convívio pleno na sociedade, com o desenvolvimento das suas potencialidades nos diversos campos do saber, do lazer e do trabalho.
É histórico o preconceito sofrido pelos pacientes, seja por parte deles próprios, da família, dos pares e de toda a sociedade, de todas as formas e matizes. É interesse absoluto da medicina exterminar esse tipo de estigma, que prejudica o diagnóstico preventivo e o tratamento e culmina de forma trágica com a interrupção da vida de milhares de pessoas acometidas, sendo, por ano, cerca de 12 mil suicídios, um a cada 45 segundos.
Sobre a tragédia com o Airbus 320 da Germanwings, ouvimos: “Por que ele estava trabalhando com depressão?”.
Em muitas ocasiões, os pacientes em curso de transtorno mental não precisam se afastar do trabalho, ao contrário do que a maioria das pessoas pensam. O trabalho não é apenas um meio de garantir a subsistência do indivíduo e de sua família, é elemento fundante do homem. É meio de realização pessoal, de elevação da autoestima, de reconhecimento dos pares, de sentido de utilidade à sociedade, enfim, meio de desenvolvimento de suas potencialidades, e não, como outrora difundido, meio de tortura do indivíduo. Por outro lado, quando o paciente não está em tratamento médico psiquiátrico ou, ainda, quando o trabalho se apresenta como fator de adoecimento, desencadeamento ou agravamento de um transtorno mental, então se faz necessário o afastamento temporário da atividade laboral.
Nas duas situações, o médico do trabalho, como gestor em segurança e saúde no trabalho, reúne todas as ferramentas necessárias à identificação da doença, do risco e da conduta a ser seguida, encaminhando o trabalhador ao psiquiatra e monitorando o seu tratamento. No Brasil e no mundo, os TMCs figuram entre as principais causas de afastamento do trabalho, apresentando o mais alto índice de absenteísmo, ou seja, o que deixa o trabalhador por mais tempo afastado. Em segundo lugar, aparecem as doenças musculoesqueléticas (DMEs) e, em terceiro, lesões, envenenamento e algumas outras consequências de causas externas. Na empresa, programas de prevenção em saú- de mental, palestras e campanhas educativas com envolvimento de empregados e empregadores têm resultados exitosos quando inseridos na cultura empresarial, com acesso aos serviços públicos e/ou privados de assistência ao doente com TMCs.
Dados do Ministério da Saúde evidenciam que 46 milhões de brasileiros sofrem de depressão; no mundo, aponta a Organização Mundial da Saúde (OMS), são 700 milhões, ⅓ sem acompanhamento médico especializado. Os TMCs representam 13% de todas as doenças no mundo. A OMS ainda prevê que 350 milhões de indivíduos deverão sofrer de depressão, e 90 milhões terão um surto em decorrência de dependência química.
Em que pesem os trágicos eventos e os dados alarmantes, ainda enfrentamos graves falhas na assistência à saúde mental da população e ausência de políticas públicas eficazes.
Rosylane Nascimento das Mercês Rocha é médica do trabalho, diretora da Anamt e conselheira federal de medicina
Fonte: Jornal de Medicina – CFM