Conversa entre duas crianças

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    – E aí, véio? – Beleza, cara?

    – Ah, mais ou menos. Ando meio chateado com algumas coisas.

    – Quer conversar sobre isso?

    – É a minha mãe. Sei lá, ela anda falando umas coisas estranhas, me botando um terror, sabe?

    – Como assim?

    – Por exemplo: há alguns dias, antes de dormir, ela veio com um papo doido aí. Mandou eu dormir logo senão uma tal de Cuca ia vir me pegar. Mas eu nem sei quem é essa Cuca, pô. O que eu fiz pra essa mina querer me pegar? Você me conhece desde que eu nasci, já me viu mexer com alguém?

    – Nunca.

    – Pois é. Mas o pior veio depois. O papo doido continuou. Minha mãe disse que quando a tal da Cuca viesse, eu ia estar sozinho, porque meu pai tinha ido pra roça e minha mãe passear. Mas tipo, o que meu pai foi fazer na roça? E mais: como minha mãe foi passear se eu tava vendo ela ali na minha frente? Será que eu sou adotado, cara?

    – Sabe a sua vizinha ali da casa amarela? Minha mãe diz que ela tem uma hortinha no fundo do quintal. Planta vários legumes. Será que sua mãe não quis dizer que seu pai deu um pulo por lá?

    – Hmmmm. pode ser. Mas o que será que ele foi fazer lá? VIXE! Será que meu pai tem um caso com a vizinha?

    – Como assim, véio?

    – Pô, ela deixou bem claro que a minha mãe tinha ido passear. Então ela não é minha mãe. Se meu pai foi na casa da vizinha, vai ver eles dois tão de caso. Ele passou lá, pegou ela e os dois foram passear. É isso, cara. Eu sou filho da vizinha. Só pode!

    – Calma, maninho. Você tá nervoso e não pode tirar conclusões precipitadas.

    – Sei lá. Por um lado pode até ser melhor assim, viu? Fiquei sabendo de umas coisas estranhas sobre a minha mãe.

    – Tipo o quê?

    – Ela me contou um dia desses que pegou um pau e atirou em um gato. Assim, do nada. Puta maldade, meu! Vê se isso é coisa que se faça com o bichano!

    – Caramba! Mas por que ela fez isso?

    – Pra matar o gato. Pura maldade mesmo. Mas parece que o gato não morreu.

    – Ainda bem. Pô, sua mãe é perturbada, cara. –

    E sabe a Francisca ali da esquina?

    – A Dona Chica? Sei sim.

    – Parece que ela tava junto na hora e não fez nada. Só ficou lá, paradona, admirada vendo o gato berrar de dor.

    – Putz grila. Esses adultos às vezes fazem cada coisa que não dá pra entender.

    – Pois é. Vai ver é até melhor ela não ser minha mãe, né? Ela me contou isso de boa, cantando, sabe? Como se estivesse feliz por ter feito essa selvageria. Um absurdo. E eu percebo também que ela não gosta muito de mim. Esses dias ela ficou tentando me assustar, fazendo um monte de careta. Eu não achei legal, né. Aí ela começou a falar que ia chamar um boi com cara preta pra me levar embora.

    – Nossa, véio. Com certeza ela não é sua mãe. Nunca que uma mãe ia fazer isso com o filho.

    – Mas é ruim saber que o casamento deles é essa zona, né? Que meu pai sai com a vizinha e tal. Apesar que eu acho que ele também leva uns chifres, sabe? Um dia ela me contou que lá no bosque do final da rua mora um cara, que eu imagino que deva ser muito bonitão, porque ela chama ele de ‘Anjo’. E ela disse que o tal do Anjo roubou o coração dela. Ela até falou um dia que se fosse a dona da rua, mandava colocar ladrilho em tudo, só pra ele pode passar desfilando e tal.

    – Nossa, que casamento bagunçado esse. Era melhor separar logo.

    – É. só sei que tô cansado desses papos doidos dela, sabe? Às vezes ela fala algumas coisas sem sentido nenhum. Ontem mesmo veio me falar que a vizinha cria perereca em gaiola, cara. Vê se pode? Só tem louco nessa rua.

    – Ixi, cara. Mas a vizinha não é sua mãe?

    – Putz, é mesmo! Tô ferrado de qualquer jeito.

     

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